Esse foi o primeiro quadro que eu fiz quando comecei a fazer aulas de pintura com a Berta.
Cheguei no ateliê dela meio tímida, meio deslocada, meio sem saber onde colocar as mãos. Pro alívio da minha ansiedade (ou não), ela veio logo com o catálogo de fotos pra me ocupar. Eu olhava aquelas imagens em alta definição meio com medo, pq tinha cada coisa linda que parecia tão difícil de fazer. Tadinha, ela ia me dando várias ideias, né. "Podes hacer un golfinho, o uma flor, o un caballo..."
Com toda a calma do mundo, ela ia passando de foto em foto, mostrando a figura e mencionando, numa mistura linda de espanhol madrileño e português portuese como a luz fazia a diferença, e a mistura de cores, e a profundidade do horizonte, e todas as possibilidades a meu favor... Daí eu já comecei a suar. Por fim escolhi a mais difícil de todas: um fundo do mar colorido e cheio de complexidade. Ela me trouxe uma tábua de madeira, uma paleta com tintas calculadamente colocadas em ordem de tonalidade, três pincéis e o jazz no fundo.
Passei pouco mais de um mês trabalhando no quadro toda semana (às vezes mais de uma vez na semana). E quando eu digo "trabalhando", eu quero dizer misturando cinco cores diferentes pra tentar achar o tom certo, refazendo o mesmo canto sete vezes, limpando a tinta azul que caiu no chão de madeira (ai se mancha!) e, claro, pedindo pelo amor de Deus pra ela vir me ajudar pq eu to perdida e o negócio não sai. Falta um tom escuro aqui, um pouco mais de branco alí, falta amarelo, falta azul, falta os dois juntos... Um dia eu olhei pra ela, cansada, e ela me disse que já não faltava mais nada. É sério? Quase não acreditei que aquele dia tinha chegado. A gente comemorou com chá e bolacha. Ou foi bolo? Não lembro. Sei que foi bom.
Eu ainda olho pra esse quadro e vejo um monte de coisa "errada" que eu queria consertar. É que dá uma preguiça de reescrever a história, sabe? E é uma história tão bonita, banhada com verniz e MPB. Deixa assim mesmo. De qualquer das formas, se alguém quiser comprar, está disponível. Mas eu prometo que pelo menos 40% do valor não é meu não.
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Do Porto, Com Amor
Non-FictionColetânea de contos e crônicas que representam o ponto de vista da imigrante brasileira Roli Di Mario, em terras lusitanas.