A N T O N E L L A
Fevereiro de 2022.
Um, dois, três, você consegue.
Respirei fundo e tentei conter a vontade de vomitar. Estava com tanta dor de cabeça, que mal conseguia me concentrar no ambiente ao meu redor. Nova Iorque. Semana de Moda. Outono e inverno. Nova coleção.
De nada importava o prazo apertado que eu tive para desenhar as peças, todos queriam uma novidade.
— Você está distante — uma voz comentou, e eu demorei um pouco para identificá-la. Era apenas minha assistente.
Fiz um gesto desinteressado.
— Estou bem.
Ela me olhou em dúvida.
— A senhora tem uma entrevista agora para falar sobre a coleção. Tem certeza de que está tudo bem? Posso deixar a jornalista entrar?
Não a deixei terminar de falar, apenas coloquei a garrafinha de água sobre a bancada e dei um passo para frente. Minhas pernas vacilaram, mas não me importei.
— Claro — falei com um sorriso. — Pode chamá-la.
A jornalista era uma moça jovem e morena, na casa dos vinte e poucos anos, levemente insegura, mas que fazia boas perguntas. Ela me perguntou sobre minhas inspirações, e dei respostas genéricas. Preferia manter a minha vida pessoal longe do alcance da imprensa. A única coisa que deveria importar era a minha arte.
Quando acabamos, agradeci a entrevista e me dirigi até onde as minhas modelos estavam. Minhas mãos estavam suadas, e eu me sentia ligeiramente sem ar, entretanto disse a mim mesma que passaria logo.
— Cinco minutos para entrarmos, senhora Sánchez.
Sorri, assentindo para o meu stylist, que estava ajudando a colocar os acessórios nas poucas modelos que não estavam finalizadas. O ambiente estava um caos, com pessoas correndo de um lado para o outro e um forte cheiro de fixador de cabelo. Pisquei, me sentindo um pouco tonta.
Engoli saliva e mudei o peso de um pé para o outro, desconfortável sobre os meus saltos. Minha cabeça latejou, e eu senti dificuldade para respirar. Eu só queria voltar para casa e me arrastar de volta para a cama, mas não podia. Simplesmente não podia.
Meus lábios tremeram, e bebi água. Estava tudo bem, tudo sob controle... Nada acontecendo, nenhum motivo para ter medo.
Sem razões para chorar.
Abri um sorriso largo e chamei as meninas para perto, como sempre fazia antes dos desfiles, puxei meu celular para tirarmos uma foto e depois desejei boa sorte a todas elas.
Eu sabia que deveria pelo menos me esforçar para assistir, ainda assim, permaneci parada; a música ecoava na passarela enquanto eu observava em silêncio as idas e vindas delas. Toda a expectativa, a ansiedade, a mudança de expressão quando chegava a hora de desfilar. Pisquei e engoli o nó na garganta. Aquele era o fruto de seis meses de trabalho, incontáveis noites em claro, sangue, suor e lágrimas. Havia sido um ano infernal, eu tinha dado o meu melhor, tentei o máximo que pude.
Contudo, eu sabia o quanto havia perdido.
"Tenho que sair daqui", a constatação veio em silêncio. Minha cabeça parecia pesar uma tonelada, e eu estava tão exausta que não sabia se conseguiria ficar em pé por muito tempo. Tentei me lembrar há quantas horas não comia; meu médico disse que eu precisava me alimentar corretamente, porém eu não conseguia parar. Eu nunca parava.
Eu precisava ficar sozinha. Bebi mais água e fiz uma careta, quando o meu ouvido começou a zumbir.
O desfile acabou, e deixei o backstage com a minha assistente nos meus calcanhares, recitando religiosamente o restante da minha agenda para o dia. Por trás dos protestos que o meu corpo dava, só conseguia pensar nas críticas, que a minha criatividade havia acabado e que eu não era mais a mesma. Não era o fim do mundo, no entanto. Era só trabalhar mais, dormir menos, fazer melhor.
Abri espaço entre as pessoas e mantive o queixo erguido.
No fundo, eu sabia que tinha fracassado e que estava cercada de puxa-sacos que jamais diriam isso. Minha cabeça doía tanto que vi pontos pretos em minha visão. Se eu olhasse em volta, a única coisa que enxergaria seria pena, apesar de um lugar dos meus pensamentos dizer que era apenas a minha mente me pregando peças, era eu quem estava sentindo pena de mim por causa de tudo o que aconteceu. Contive uma risada sarcástica. Eu não precisava de pena. Nunca precisei.
Senti um pequeno puxão no punho e parei, virando-me para trás tão rápido que minhas pernas fraquejaram.
— A senhora está um pouco... — Vi os lábios da minha assistente se moverem, mas não ouvi som algum.
Meus olhos se encheram de lágrimas à medida que o pânico batia de vez. Meu ar faltou. Se me tirassem do meu trabalho, o que me restaria?
Nada. Eu não tinha mais nada. Tudo na minha vida era efêmero e escapava como areia por entre meus dedos. Mãos geladas tocaram o meu rosto, e o zumbido insistente no meu ouvido aumentou.
Eu queria gritar. Eu não prestava nem para...
— Senhora Sánchez — a voz soou mais desesperada —, a senhora está me ouvindo?
Escorreguei para a escuridão e só me dei conta de que tinha desmaiado, quando acordei sem saber onde estava. Os flashes das câmeras, entretanto, me fizeram lembrar. Merda.
Eu não queria que ninguém soubesse o que aconteceu. Ergui o olhar e vi alguém pegar o celular para chamar uma ambulância. Os cantos da minha boca tremularam em um sorrisinho irônico que ninguém viu.
Nada de mangas bufantes, cintura baixa ou saltos plataforma, todavia, se era uma novidade que eles queriam, eu dei.
Surpresa!
Antonella Sánchez não consegue porra nenhuma.
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Terceiro Croqui [DISPONÍVEL NA AMAZON]
RomansAntonella Sánchez sempre colocou a carreira em primeiro lugar, mas por algum motivo misterioso sua última coleção fracassou e ela surtou na Fashion Week. Prestes a perder o cargo de diretora criativa da própria marca, Antonella faz um trato com seu...