I. Vulnera

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Desde o primeiro alvorecer de setembro, eu contei três longos meses que eu estava na Transilvânia a negócios, a pedido de meu pai. Ser príncipe se torna um fardo com o tempo, na infância, tudo aparentava ser uma grande brincadeira, contudo, quando cresci e me contaram o que significavam todas aquelas aulas tediosas e supostos jogos, passei a entender que, na verdade, eram todos preparativos para me tornar o sucessor do império coreano. Uma de minhas obrigações era selar acordos para meu pai, o imperador, daquela vez, fui enviado por ele para resolver questões econômicas entre o reino da Romênia e a Coréia.

Eu estava profunda e terrivelmente cansado, não conseguia ao menos sair de meus aposentos para o café matinal, tive que dispensar uma serva ao menos três vezes, ela insistia que eu comesse, afinal fazia uma semana que eu não me alimentava corretamente, mas nem aquilo me afetava, a fome não me incomodava, apenas os pensamentos altos demais na minha cabeça, lembrando-me da carta aterrorizante que meu pai me enviara e me fora entregue no mês passado.

"Há de desposar a filha do rei até o final de sua estadia na Romênia, querido filho."

Aquelas palavras me rondavam o tempo todo de forma insuportável, não iria desposar uma garota de dezesseis anos de idade, ia contra tudo o que eu acreditava e defendia, a princesa era de fato uma boa pessoa e possuía dotes invejados por moças até mais velhas do que ela, todavia, ainda era inocente, a alma pura como a de uma criança, não seria eu a corrompê-la assim, ela disse-me um dia, em um desjejum com a família real, que gostaria de se casar com seu amor verdadeiro e estava longe de ser eu, ela definitivamente merecia a felicidade de estar com alguém que ela amasse.

Eu não havia amado sequer uma pessoa, nem ao menos sentido os prazeres da vida na pele, nem olhei para alguém com segundas intenções, por mais que eu soubesse o que eram os desejos da carne ou o mais verdadeiro amor que irradia no coração, nunca os experimentei, nunca tive tempo para isso. Meu pai me oferecia suas "acompanhantes noturnas", como ele carinhosamente as chamava, mas eu as recusava e, nem mesmo eu, achei motivos para tais recusas. Eu não me entendia e eu sabia dos boatos, me chamavam de "o príncipe estranho", fizeram peças cômicas em meu nome, me ridicularizando e eu tinha conhecimento sobre tudo, as paredes da nossa hanok eram mais finas do que os servos pensavam.

Suspirei com pesar e me virei para o outro lado da cama, minha cabeça latejava e lágrimas se acumulavam no canto dos meus olhos, não poderia me entregar a uma dor profunda àquela hora da manhã, estava deveras cedo para afundar-me em desespero e seria péssimo se alguém entrasse, então respirei fundo e sequei as lágrimas que já desciam. Senti certo delíquio ao me levantar, o que me levou a quase cair novamente na cama, meu estômago implorava por comida, fazendo com que eu me retirasse do cômodo, que me foi dado para passar os dias, cambaleando, me apoiando nas paredes e nos móveis.

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O dia passou-se enfadonho, eu estava em um casarão do rei na Transilvânia, ele me disse que eu poderia desfrutar de tudo o que eu tinha direito enquanto estivesse lá, porém, não sentia vontade de nada.

O crepúsculo já acontecia e eu o contemplava admirado do alto do terceiro andar, numa sacada grande e arejada. Eram raras as vezes em que eu conseguia de fato contemplar as belezas da natureza, minha vida carregada consumia minha alma até os confins dela, minha sorte era que, naquela semana, o rei estava ocupado demais com uma possível guerra – que nunca aconteceria – e viajou para outro país, então eu estava livre por certo tempo, entretanto, ainda sozinho, tendo comigo apenas os meus pensamentos, algo que eu não recomendava para mim mesmo.

O pôr-do-sol passou mais depressa do que eu imaginava, o céu já se tornava mais escuro, a Lua aparecia branda e majestosa, estava completamente cheia e brilhante, me trazia uma paz inexplicável. Era a última lua cheia do ano. A admirei mais uma vez, lembrando-me de minha mãe e do quanto ela gostava dos astros, passava horas apenas admirando ela e as estrelas, fazendo pedidos quando estrelas cadentes passavam rápidas, rasgando os céus com seu brilho.

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⏰ Última atualização: Nov 01, 2022 ⏰

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