Simoraya (part 1)

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Encantar-se... Era a única coisa que não era possível controlar, o encanto toma forma por si só, ele não pede permissão para acontecer, simplesmente o faz, se instala, se acomoda e depois que chega é quase impossível ignorá-lo. E encanto era o que Simone Tebet sentia por sua aluna e atual concorrente, vê-la formada e engajada diante de tudo aquilo que sempre sonhou para si era quase que recompensador. A loira era uma verdadeira onça no senado e não seria diferente ao concorrer à presidência independente de contra quem fosse. Era admirável. E o encanto... Bem, ele se instalou em Simone e não tinha previsão de deixá-la.

Tebet estava em um dos camarins do jornal ao qual faria parte do debate naquela noite, o rosto era ilegível, tinha suas pautas repassadas, cada fala muito bem analisada e pensada para aquela noite, sentia-se preparada dentro daquela narrativa política que havia construído, como todos os outros candidatos, mas tinha plena noção de possíveis surpresas, especialmente vindo do atual presidente, que não lhe descia em nenhum sentido e seu maior objetivo era incomodá-lo profundamente aquela noite. Ajeitava os cabelos em um último suspiro quando ouviu batidas na porta sendo seguidas de uma voz familiar.

- Simone? Está ai? Posso entrar?

A mesma respondeu de prontidão, levantando-se e ajeitando o vestido azul marinho ao corpo, Simone adorava cores vivas, mas aqueles tons escuros e dramáticos lhe caiam perfeitamente no contraste de sua pele branca e cabelos negros. Os sapatos que usava, também no mesmo tom, lhe deixavam alguns centímetros mais alta, coisa que já era, adorava a sensação de parecer altiva. E definitivamente era.
Assim que a porta se abriu avistou a mulher de cabelos loiros, que ao contrário dela era muito mais baixa ainda que usasse um par de scarpins altos, fitou-a brevemente analisando a roupa belíssima que vestia, um blazer branco acinturado que cobria o vestido creme, quase da mesma cor dos sapatos e da própria pele da mulher. E mais uma vez o encanto se fez presente nos olhos de Simone. Estava belíssima e era impossível não notar.

- Olá, Soraya! Que surpresa boa. Entre. - disse a mesma graciosamente.

- Olha, não vou demorar, vim te desejar boa sorte! - a mesma sorriu aproximando-se.

- Ah, Soraya! Você sempre com essa gentileza, né? Me lembra seus tempos de aluna. - Observou-a sorrir mais uma vez. - Venha, deixe-me lhe dar um abraço de boa sorte também.

A candidata de oposição não se negou, de imediato caminhou para que seus corpos se aproximassem sutilmente, enlaçando-se em um abraço confortável que lhe fez fechar os olhos de tamanha paz que sentiu, Soraya divagou, de repente, no perfume de Simone lhe invadindo as narinas, na maciez de sua pele e calor que emanava de seu corpo, não era só o abraço, mas a percepção de estar abraçando a outra; que sensação inominável era aquela que a fazia não querer desvencilhar-se daqueles braços de pele alva que lhe apertavam com uma gentileza e firmeza que beirava a perfeição. E seus pensamentos voaram, para uma época não muito distante, quando ainda era somente aluna e Simone sua professora, se lembra da admiração que sentira por ela desde o primeiro dia assistindo suas aulas, Direito Administrativo não era lá uma disciplina muito interessante e muito menos cativante, mas Simone fazia ser. E aquele perfume... Era uma das memórias olfativas que Soraya Thronicke tinha mais fortemente de seus tempos como aluna de Simone.

- Você ainda usa o mesmo perfume, Simone? - questionou-a assim que se desvencilhava aquele abraço longo.

- Como sabe que é o mesmo? Se lembra de meu cheiro após tanto tempo, Soraya? - questionou curiosa e surpresa pelo comentário.

- Bem... é... É um perfume marcante, Simone. Tenho certeza de que qualquer pessoa que te conheça tenha lembrança de seu... Aroma. - disse pausadamente e um tanto desconcertada pela forma como a mulher a olhava fixamente, com aqueles olhos que, mal sabia ela, deixavam Soraya sem norte.

Simone não teve tempo de resposta e Thronicke deu graças aos seus assim que bateram na porta e entraram logo em seguida anunciando que o debate começaria em 5 minutos. Soraya apenas sorriu acanhada para Simone que lhe retribuiu o sorriso, mas com um tom que deixou a mulher mais nova pensativa. Ambas se encaminharam para fora do camarim e seguiram em silêncio, apenas ouvindo orientações e protocolos, a burocracia da Tv ao vivo. Soraya caminhava a frente de Simone, seus sapatos ecoavam aquele som firme ao pisar ao chão e seus quadris balançavam como em uma dança suave e lenta, Simone se perdeu por um instante ali, reprimindo a si mesma pelo ato inconsciente e quase despudorado. "Mas o que está acontecendo comigo hoje? Se concentra, Simone." pensou consigo mesma, voltando ao eixo imediatamente.

O debate seguia, nem um pouco tranquilo, na verdade, era pior do que Simone imaginava, mas não se deixou derrubar pela incoerência e falta de profissionalismo de seus colegas candidatos, que a única coisa que sabiam fazer era desferir ofensas amargas uns aos outros, um verdadeiro "barraco" pensava consigo mesma. Em contrapartida, observava Soraya com um sorriso de canto nos lábios a cada vez que a candidata soltava uma de suas frases de efeito, sem medo nenhum, indo para cima de todos, com exceção dela, claro, nas vezes em que se voltava para Simone era com muita gentileza, educação e com uma maturidade que só mulheres poderiam ter ali naquele momento.

Os pensamentos de Simone foram interrompidos e um riso inevitável saiu de seus lábios ao ouvir a última fala de Thronicke, direcionada a um dos candidatos. - O senhor não tem medo de ir pro inferno não? - Simone olhou para sua assessora que apenas balançava a cabeça evitando rir também. A loira era mesmo uma onça e Tebet estava adorando vê-la atacar.

Ao fim do debate, Soraya foi ao encontro de Tebet, que já a observava se aproximar, instintivamente abriu os braços para acolhê-la em outro abraço, que foi recebido de bom grado e com muita firmeza. Agora era Simone quem se deixava embalar pelo perfume da loira, já que ela havia se permitido sentir o seu, qual seria o problema dela também fazer o mesmo. Simone afundou o rosto em seus cabelos, bem próxima de seu pescoço, capturando seu aroma. Sentiu a mais nova quase tremer em seus braços, que fechou os olhos instintivamente diante daquele gesto da mulher. Simone reparou que uma câmera capturava aquele momento e se preparou logo para desvencilhar-se do abraço que já perdurava tempo demais para aquele momento.

- O seu perfume também é marcante, Soraya. Também tenho memória afetiva de seu... Aroma. – Fitou-a profundamente enquanto se afastava para cumprimentar os outros candidatos, deixando para trás uma onça mansinha e encabulada.

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