Um presente especial

749 36 4
                                    

Parte 01

Cinco anos depois, e não havia um dia que Yaman não acordava em um sobressalto ouvindo o som infernal das balas que a levaram dele, Seher havia morrido pra todos, mais o que ninguém via era que após aquele fatídico dia era Yaman quem morria um pouco mais a cada instante que respirava, e assim ele foi definhando por cada ano onde a ausência dela o consumia, se afastou de todos até mesmo de Yusuf, o enchia de atividades extracurriculares para que ele o esquecesse, tinha medo de que sua presença fizesse mais mal do que bem para Yusuf, na verdade ele não conseguia olhar em seus olhos e se sentir culpado por ter falhado, por sua falha Yusuf perdeu mais um amor da sua tão curta vida, agora Yusuf já era um pré adolescente tinha quase 13 anos, se transformou em um garoto frio, um imã de problemas, se metia em brigas na escola, a professora sempre dizia que mal podia-se ouvir sua voz, Yusuf havia se transformado no que Yaman mais temia, uma versão dele.

Yaman pagava as mais caras psicólogas, mais e mais terapias, só não entendia que nada pagava a ausência dele na vida de Yusuf, sempre saía tão cedo, sempre chegava tão tarde, era proposital, ele tinha medo de não conseguir encarar seu sobrinho.

O quarto de Yaman havia virado uma espécie de santuário, ninguém, absolutamente ninguém ousava entrar naquele mausoléu exceto Cenger que fazia semanalmente a limpeza do local, porém sempre seguindo a risca todas as recomendações de Yaman, nunca mexia onde não podia, nem deixava nada diferente de como estava...ninguém jamais havia tocado nas coisas dela, depois que Seher se foi, Yaman dormia no sofá porque se negava à dormir na cama e sentir a frieza daqueles lençóis cinzas e tão mortos quanto ele, e ela...
Era como uma espécie de auto punição, ele se forçava a observar, num lupping eterno ele observa aquele quarto, aquela cama, ouvia os ruídos, os sons dos risos dela, até mesmo o som do ruir da cama enquanto faziam amor pela segunda vez na noite, ele podia ainda sentir o cheiro dela, podia ainda vê-la numa alucinação que ele não queria que acabasse, era como se morrendo ele pudesse voltar a viver.

Outro dia estava por vir, dane-se, tudo era igual mesmo, Yaman acordou novamente na madrugada, suado e em sobressalto, outro pesadelo, levantou-se nu do sofá, era assim que ele dormia agora, não sentia-se nem vivo, nem morto, seu corpo era sua prisão, tomou um banho rápido, e como em todas as vezes pretendia sair ocultamente de sua própria casa antes que Yusuf pudesse acordar, antes que ele pudesse quebrar de novo o coração daquele garoto ao olhar dentro dos olhos dele, e saber que falhou mais uma vez.

Mas, o que Yaman não sabia é que aquele dia seria a o dia, que mudaria o resto de sua vida.
Desceu sorrateiramente como sempre, se perdendo entres as sombras e fantasmas daquela mansão, foi pra cozinha pra tomar apenas um café, sem açúcar, amargo, como ele.
Como sempre o café já estava pronto, Cenger nunca havia lhe desamparado, levantava-se de madrugada pra deixar o bom e velho café pronto pra Yaman, como de costume ele pegou sua xícara, a mesma que Seher lhe servia a anos atrás, colocou seu café e o engolia de uma vez só, seco, amargo, assim como ele se sentia, mais algo nesse processo deu errado, de repente cuspiu, engasgou, deixou a xícara cair com o susto fazendo um barulho estridente com os cacos da louça se estilhaçando, mais foram os gritos daquela mulher que o deixaram ainda mais petrificado.

Ela cobria os ouvidos com as mãos, se abaixou indefesa, abraçou os joelhos, fazia movimentos de vai e vem com o corpo, e gritava sem parar as palavras...
"Voa Joaninha, Voa Joaninha"

Cenger entrou ofegante na cozinha, percebe-se que correu até lá, olhou para Yaman como lhe dizendo "explico depois".
Mas o que era mais importante do que explicar que havia uma mulher exatamente igual a Seher naquela cozinha, como explicar para Yaman que bem na sua frente havia uma réplica perfeita de sua amada e falecida esposa.
Não, não era dessa forma que Cenger imaginou contar a Yaman sobre Sila, ele inclusive foi pego de surpresa também quando a viu pela primeira vez, a pouca diferença via-se nos cabelos que eram mais claros do que os de Seher, os de Sila eram no tom de baunilha, ou como as areias claras do deserto, ainda assim era surreal, porque era como se Seher tivesse revivido.

Cenger abaixou-se com cuidado sob o olhar atento, espantoso, descrente, e totalmente apavorado e curioso de Yaman, falou em tom baixo mais que Yaman pode ouvir perfeitamente.

- Sila...pode parar de gritar querida, está tudo bem hã...eu lhe garanto que está tudo bem, posso lhe ajudar a se levantar, posso tocar em seu ombro?

Parecia inútil, Sila ia e vinha abraçada a seus joelhos num movimento que parecia infinito, repetia a mesma frase de antes, só que de alguma forma as palavras de Cenger começaram a surgir efeito, e ela foi se acalmando aos poucos.

- Posso segurar sua mão, e lhe ajudar a levantar? - Repetiu Cenger receioso, mais sabia que ela havia assentido quando mesmo sem olhá-lo nos olhos afrouxou as mãos dos joelhos, e o esperou puxar-lhe.
Sila não olhava para Cenger, nem para Yaman, que estava ainda parado em seu próprio espanto, esperando alguma explicação racional para o que em sua concepção era impossível, talvez ele devesse se internar, pensou...talvez ele ainda estivesse dormindo, e fosse só outro tipo de alucinação, mais Cenger quando passou por ele disse em tom baixo.

- Me espere aqui por favor Yaman Bey, voltarei e lhe explicarei tudo.

Cerca de dez minutos havia se passado e Yaman ainda não tinha se movido nem sequer um músculo, sentiu as mãos de Cenger em seus ombros o forçando a se sentar, e finalmente conseguiu desengasgar a voz que havia ficado presa no fundo da garganta.

- O que foi isso? Eu tô louco? Só posso tá louco...

- Não está Yaman Bey, o senhor viu o que viu, não foi alucinação.

- Não, não....ela morreu, e nos meus braços... não é possível.

- É Yaman Bey, é, porque essa não é Seher, ela se chama Sila, eu...também fiquei incrédulo a minha própria sanidade quando a vi pela primeira vez, eu também achei que estivesse vendo coisas...mas acredite mesmo sendo iguais na aparência, Sila e Seher são pessoas completamente diferentes.

- Isso só pode ser um teste pra ver se enlouqueço de vez...o que é isso Cenger, me diz.

- A encontrei na nossa instituição que ajuda crianças e pessoas especiais, mais precisamente no setor onde temos o projeto de inclusão á pessoas especiais, para inseri-lás no mercado de trabalho...
Assim como me pede Yaman Bey, uma vez na semana vou a instituição para ver se está tudo em ordem por lá, e ao passar pela sala de entrevistas, havia algumas pessoas aguardando sua vez para fazer uma entrevista de emprego e foi por um triz que quase não a vejo, mas...ao olhar atentamente para o rosto sereno que se escondia por de trás daquelas ondas cor de areia, eu a vi, a vi Yaman Bey, ela era igual a Seher. Primeiro...eu achei que estava vendo coisas, enlouquecendo, mas quanto mais perto chegava, tinha certeza de que era como se fosse Seher em outro corpo, em outra vida, e mesmo ela não olhando em meus olhos, eu não aguentei a emoção quando vi o verde intenso brilhar de novo naquele olhar que me era tão familiar...

Ela é autista Yaman Bey, e se chama Sila, estava esperando a vez para fazer uma entrevista de emprego. Não tive dúvidas, era como um presente da vida...eu... a ofereci imediatamente um emprego para trabalhar aqui na mansão, providencie tudo o mais rápido que pude, mas...eu achava que fosse ter tempo de lhe explicar tudo, antes do que aconteceu...
Só não contava que ela madrugasse e acordasse antes de todos, até mesmo antes do Senhor.

Na mente de Yaman tudo estava desconexo, mais nada era pior do que seu coração que saltou em níveis exorbitantes, quando após cinco anos viu o rosto que tanto ansiava ver, viu os olhos tão vivídos que tanto ele implorou pra ter a chance de olhar novamente, sentiu-se ser golpeado no peito, era um despeito do destino, era desespero, era uma saudade, era tão covarde...tão confuso, tão irreal, tão descrente, tão doente... era visceral a vontade de abraça-lá, sentiu-se tão ofegante, tão distante, mais tão presente, sentiu-se vivo, e isso o assustou, levantou-se bruscamente, e saiu como um furacão pela porta, talvez na tentativa de que quando voltasse pudesse ver que tudo não passava de uma mera alucinação, droga de insanidade, mais e se fosse ela que o salvasse?

E quem sabe até mesmo a morte de Seher não fosse uma droga de alucinação, quem sabe....aaaaa ele não sabia de mais nada, voava estrada fora no seu porsche, seus pensamentos eram tão rápidos quanto o velocímetro que ia a mais de cem por hora.

Continua....

Um presente especial Onde histórias criam vida. Descubra agora