Capítulo 36

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            Talvez estar vivo no fim do mundo seja um privilégio.

            É complexo ver benefícios no mais absoluto inferno.

            Sendo perseguido por um constante medo desesperador.

            Mesmo assim, eu poderia ter desistido quando vi o rosto daquela menina gritando agoniada no começo da manhã quando colocou sua cabeça destroçada para dentro da nossa sala de aula dando um pequeno gostinho amargo do tamanho da desesperança na qual a cidade iria se afundar ao decorrer do dia.

            Continuei.

            Destruí os meus valores.

            Tentando manter-me vivo.

            Por mais ilógico que possa ser, queria sobreviver sonhando que aquele mundo que conhecíamos ontem à noite voltaria amanhã, eu podia sentir que, lá no fundo, era uma gasolina que queimava em sua intensidade frágil, mas o suficiente para manter o coração preenchido por completo.

            Eu seguro a minha faca com mais força.

            As minhas pernas já se movem sem as minhas ordens.

            Correndo, eu me mantenho correndo sem parar.

            Os sons daqueles mordedores, que nem sequer deram um milésimo de tempo para que pudéssemos ao menos derramar as lágrimas de medo enquanto imploramos para que isso acabasse de uma vez, eram angustiantes ao ponto de nos fazerem tremer, eles estão nos perseguindo por ordem de um ser que parece como o mais verdadeiro Diabo se regando por mais vingança pelo que aconteceu mais cedo.

            O silêncio foi auto imposto.

            Pelas passadas densas que faziam o concreto tremer.

            Milhares corriam atrás de nós.

            A ponte, que faria nossa travessia para o pedaço final do trajeto em direção a casa de Davi e que de acordo com os mapas adentrava aquela enorme floresta, poderia servir como uma ferramenta de alívio, ao ponto de podermos sentir um ar suave preencher os nossos pulmões exaustos de tanto ter que se esforçar para nos manter trabalhando intensamente para fugirmos, sem permitir que o cansaço nos derrube.

            Cada respirada profunda.

            Deixando evidente que ainda havia vida nos percorrendo.

            As trocas gasosas continuavam a nos manter de pé por mais um segundo.

            O meu corpo estava totalmente frio, como se tivesse sido congelado por horas por causa da chuva, que somente agora estava diminuindo a sua intensidade, contudo, é essa água que está mantendo a anestesia para os músculos, que com certeza já devem estar beirando a exaustão de tanto esforço que foi feito durante este longo dia.

            Segundos intermináveis.

            A vida parou.

            Mesmo que o coração ainda continuasse batendo.

            Os sonoros gritos de agonia passaram a vencer mais facilmente os barulhos de colisão que as gotículas de São Pedro faziam na cidade, trazendo a dimensão de que o fim ainda continuava nos caçando com os suas peles cinzentas e a sua fome sombria carregada do mais absoluto desespero sórdido.

            Sinto o meu estômago revirar.

            Por um breve instante parece que meu crânio pesa toneladas.

Contenção: O EstopimOnde histórias criam vida. Descubra agora