Emaranhado

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Terminar uma tela é sempre um desafio. Quando encaro aquela imensidão de tecido sinto um frio na barriga, um aperto no peito. Todas as vezes, sempre o mesmo sentimento.

Abro meus potes de tinta, mergulho o pincel e respiro fundo antes da pincelada encontrar o branco.

No começo, o pincel sempre é cauteloso, delicado, com medo de errar. Mas à medida que a sensação fica confortável é notável a velocidade aumentando.

Uma pincelada diferente da outra, cada vez mais brusca, cada vez mais emotiva.

A emoção é crucial para uma obra se destacar da outra. Tinta rosa vibrante jogada na tela com raiva, tons de azul passados com tristeza.

Pintar é juntar um emaranhado de sentimentos e amarrá-los em um laço de composição e cor chamado arte.

- Estou saindo, Mione! Não esqueça de tomar café!

A voz embolada de Gina surge de algum canto do apartamento que dividimos. Com certeza a ruiva estava saindo às pressas, com um pedaço de pão enfiado na boca em uma tentativa de tomar café da manhã antes de chegar no escritório.

Sorri de lado. Eu tenho muita sorte de ter Gina na minha vida.

A ruiva me acolheu no meu pior momento, juntou meus pedaços quando eu mesma não conseguia juntar e continuou cuidando de mim todos os dias desde então. Ela é e sempre será minha melhor amiga, a irmã que a vida escolheu pra mim. A pessoa com quem eu podia dividir qualquer coisa, que podia confiar inteiramente.

O suor começou a escorrer por minha testa, o clima abafado daquela época do ano não ajudava em nada quando você passava horas trancada em um ateliê improvisado em um quarto dos fundos. A única fonte de ar sendo uma janela emperrada no canto da qual eu não conseguia abrir o suficiente para captar uma brisa decente. E com o ar condicionado quebrado então, só me restava aguentar a pequena sauna que aquele lugar se tornava.  Em breve minha larga camiseta branca do Museu de Arte de Londres estaria jogada em algum canto do chão.

Perdi a conta de quantas horas passaram até eu parar de mexer o pincel desenfreadamente. Meu pulso dando sinais de dor pelos movimentos repetitivos. A essa altura já estava completamente suada. Me afastei alguns passos e encostei na parede oposta, observando finalmente a tela pintada.

O rosa da tinta a óleo fresca se destacava com o fundo opaco de tons pastéis que o cômodo possuía. Cada variação de tom atraindo o olhar para a composição no geral, levando seus olhos a todos os cantos possíveis.

Fiz uma pausa para beber um copo de água gelada na cozinha, comi uma maçã verde que Gina deixou cortada em cima da bancada da cozinha com um bilhete de " café da manhã :) "

O relógio de parede marcava 15h da tarde.

Pera, 15h?

Droga, perdi a noção do tempo de novo. Era para eu já ter almoçado e aqui estou comendo o que deveria ter sido o café da manhã.

Seis horas já tinham passado e nem me dei conta. Realmente minha administração do tempo era horrível.

Cogitei preparar algo rápido só pra dizer que almocei, mas meu estômago deu uma volta com a ideia. Enchi meu copo de água novamente e voltei pro ateliê.

Parei apenas quando o relógio marcou 19h20.

Gina normalmente chegava por volta daquele horário mas hoje avisou que atrasaria. Como ela trabalhava fora, eu me certificava de que a casa estaria limpa e sempre tivesse algo quente para ela comer quando chegasse. Nossos amigos viviam brincando que éramos casadas.

Obra-prima (Fleurmione AU)Onde histórias criam vida. Descubra agora