estou perdido. não sei se me acho numa encruzilhada ou numa via de mão dupla. não sei para onde meus pés querem me levar -- todos os caminhos parecem sombrios, ainda que o sol brilhe sobre a maioria deles. eu não confio nesse sol, eu não confio nos meus pés, eu não sei para onde devo ir e qual destino eu mereço.
os dias cinzentos têm se borrado junto aos coloridos, e parece que o cinza lentamente toca os azuis, os rosados e os amarelos cada vez mais, transformando as boas memórias em possíveis alucinações de um anseio desesperado por propósito e alegria.
eu me sinto só. me sinto só mesmo quando sinto mãos me apoiando e braços me envolvendo.
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felix tinha certeza de que christopher quis morrer ao ouvir da boca do treinador que os dois alunos teriam que formar um par para a rotina daquele dia. era até meio patético: o calouro mais medíocre sendo pareado com o veterano mais talentoso do time. felix tentou agir como se aquilo não pudesse afetá-lo, mas seu estômago embrulhou um pouquinho ao imaginar que teria que passar mais de uma hora sob o escrutínio de alguém que o desprezava abertamente.
não tão abertamente.
seus colegas pareciam não ter a mínima noção de que christopher bang o insultava em silêncio ou revirava os olhos sempre que alguém elogiava felix. o desgosto aparentemente infundado era discreto o suficiente para ninguém nem ao menos desconfiar de que ele fosse capaz de um sentimento tão odioso – afinal ele era só sorrisos, sempre tão receptivo e caloroso.
felix odiava estar perto de pessoas que o deixavam desconfortável dessa forma. é óbvio que, normalmente, alguém se sinta assim, no entanto, para o calouro, havia algo a mais nesse comportamento que o desconcertava e que meio que fazia-o querer vomitar. desprezo, rejeição e insatisfação alheia despertavam medos e sofrimentos antigos, datados de desde a sua infância.
durante todo o treino, chris mais supervisionou felix do que qualquer outra coisa; e quando não estava o fazendo, nadava sozinho, como se o exercício fosse individual. felix não se importava tanto com isso, afinal ele, de fato, tinha pouquíssimo para corrigir na performance do mais velho, mas mesmo que tivesse, como o faria, se chris desprezava qualquer coisa que vinha dele?
felix não sabia também como se sentir em relação ao veterano. parecia ser óbvio que devesse odiá-lo na mesma intensidade que era odiado, mas a falta de motivação alheia afetava a sua própria razão para tratá-lo como o imbecil egoísta que christopher era consigo. na verdade, felix não queria odiar ninguém – ele sequer queria ser notado. sendo alguém tão diluído e pouco digno de nota, o que havia em si para merecer qualquer tipo de atenção? tanto não se sentia merecedor de admiração quanto de desprezo, então... por quê? por que felix era digno de nota quando não passava de uma anchova dentre milhares de outros peixes na vastidão do mar?
"sua postura é muito desleixada, é por isso que não consegue respirar direito quando tira a cara da água." apesar da rispidez, aquela era a primeira vez que chris dirigia-se a felix com o intuito de ensiná-lo. "você também parece desesperado. tem que ir com calma."
felix passou um tempo considerando o que deveria responder. deveria ignorá-lo? deveria insultá-lo? deveria simplesmente assentir e seguir em frente como se nada tivesse acontecido? ou deveria ser honesto e dizer que tudo era rápido demais para o seu cérebro processar? deveria contar que o movimento de mergulhar o rosto e tirá-lo d'água logo em seguido gerava uma ansiedade terrível, uma sensação de terror abissal de que a qualquer momento ele iria engolir água e se afogar?
não conseguia ver um porquê em se explicar. sendo bem honesto, essa última possibilidade parecia oferecer a christopher mais uma munição para que pudesse usar contra felix em seus momentos mais vulneráveis. suas experiências passadas haviam ensinado que compartilhar suas inseguranças não faziam ninguém compreendê-lo e se empatizar consigo, então o melhor a se fazer era dar de ombros.
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Eu tenho feridas
Romanceum tanto solitário e desajustado, felix inicia sua vida adulta na faculdade, esperando que finalmente pudesse viver em paz, longe dos velhos monstros de sempre. acontece que, por alguma razão, o veterano christopher bang está em todos os lugares. [c...