Imprevísivel

Prólogo : Redenção

"Toda mentira é aflita e nasce do medo."

(Do que você tem medo, Tiago Iorc)

O mundo pode ser um lugar frio e sombrio, com tantos medos e segredos que ocultamos, mentiras e meias verdades, nos enterrando cada vez mais fundo, nos engolindo e fazendo imergir dentro de nós ao ponto de sufocar, até chegarmos ao limite, onde nada mais é suportado, onde estamos implorando simplesmente para respirar, lutando e nadando contra as correntes que nos empurram para o fundo.

Eu me sentia assim o tempo todo, como se em toda a minha vida, estivesse lutando contra mim, contra minha natureza, lutando contra os demônios interiores, minha própria carne para não sucumbir, para não me perder.

Eu realmente pensei que estivesse perdendo essa luta, que nada me faria continuar lutando, que nada me prenderia á superfície ao ponto de me fazer querer retomar o ar, ao ponto de me fazer sentir vivo!

Antes dela, todos os dias eram iguais, feito preto no branco, eu não existia antes de Gisele entrar na minha vida; ela foi aquela explosão que me tirou do ar, que fez meu mundo se revirar e achar o caminho certo.

Ela foi minha redenção, desde o primeiro olhar, eu senti como se ela pudesse enxergar minha alma, como se cada pedaço do meu ser estivesse exposto e desnudo sob a luz daqueles olhos castanhos; e logo eu, que jamais tive algum proposito na vida, não enxergava um futuro no qual ela não estivesse, uma vida sem o cheiro dela impregnado nos meus lençóis, na casa, ou nos meus braços.

Não existia maior paz, do quê tê-la junto a mim, saber que ela me fazia seu lar, que em meu peito havia a sua segurança, que eu era a pessoa pra quem ela correria no fim do dia, contaria minimamente cada detalhe mesmo os mais banais, e eu sorriria enquanto lhe ouvia, ali empolgada, aninhada em meus braços, sentindo o calor do seu corpo contra o meu, pensando na sorte que eu tivera de tê-la comigo.

— Você não acha que estamos apressando as coisas? — ouvi sua voz, em tom rouco e baixo me perguntar, me tirando do devaneio em quê estava.

— Do quê está falando? De nós?

— Sim quer dizer... não acha que deveríamos ter esperado um pouco antes de começar a morar juntos? Convenhamos, não estamos nas melhores das situações agora, quer dizer, agora que eu me afastei do trabalho e você tendo que trabalhar mais agora com o Davi fora pra lua de mel... eu não sei se me sinto confortável com isso.

— Sinceramente eu não queria ter que esperar nenhum segundo mais pra isso, desde que nos conhecemos, meu intuito já era que você estivesse exatamente aqui.

— Quer dizer, na sua cama? — zombou com aquele seu sorriso sorrateiro e malicioso que me derretia por inteiro!

— Também, mas eu me referi a estar ao meu lado! Nós temos certeza do quê sentimos um pelo outro, porque adiar isso?

A verdade é que, talvez ela estivesse certa, talvez o tempo seja necessário para pôr cada coisa em seu lugar, eu gostaria de ter entendido isso antes, mas correspondi as minhas emoções e cada parte do meu corpo que sentia a necessidade de tê-la ao meu lado, de sentir a cada amanhecer o gosto de café e pecado que havia nos seus lábios, de percorrer cada curva do seu corpo, dedilha-lo feito um instrumento, de me refazer no seu abraço e me desfazer totalmente nela.

Por muito tempo encarei essa como a decisão errada mais certa que eu já havia tomado na vida, mas sei que eu faria tudo outra vez e exatamente da mesma forma.

A maneira como nossos corpos se correspondiam e nossas almas se ligavam era algo raro, único, que jamais havia experimentado; Gisele foi meu primeiro amor, sem duvidas, gostaria de dizer que seria o ultimo, mas eu não tinha ideia do que o destino nos estava reservando.

Talvez culpar o destino seja algo extremamente covarde quando no fundo eu sabia, que tudo que estava pra acontecer era culpa minha, daquilo que eu arrastava pra baixo do tapete e fingia não existir.

O Problema não some se você o ignora, ele se potencializa, e silenciosamente, meu mundo foi desmoronando, quando eu ainda nem havia conseguido me reerguer.