Apareça, Nix!

10 2 0
                                    


— Apareça, Nix! — disse Caos.

De suas palavras, através de uma magia intensa, uma mulher bela e poderosa se formou. Seus cabelos negros brilhavam, e seus olhos, cintilavam como fogo. Ela girou e girou até que caiu, como uma pluma, nas mãos de Caos, que com a ponta de seu dedo massageou a cabeça da deusa até que ela despertasse.

— Olá! — disse ele, sorrindo, ao ver que ela estava consciente.

A mulher rapidamente se levantou, assustada, enquanto olhava para tudo ao seu redor. Por um tempo, até que se desse conta de que nada ia lhe acontecer, ficou imóvel, porém, ao erguer seus olhos, viu o olhar quente e intenso do criador, que ainda sorria gentilmente, embora sua aura transmitisse um temor indescritível.

— Como está? — ele perguntou.

— Bem... Eu acho... — e novamente olhou ao redor, procurando algum sentido além do que estava bem a sua frente — Onde estamos?

Caos ficou sério, mas não havia malícia em sua feição. Ele olhou para cima, para baixo, para os lados, balançou os ombros e riu.

— Aparentemente, em lugar nenhum.

Os dois ficaram em silêncio.

— O que eu faço agora? — ela perguntou.

— Sei lá, você decide, tem livre arbítrio — e a soltou, porém, ao invés de cair, ela flutuou.

Caos se afastou, criou uma espécie de fogueira cósmica, com uma chama azul escura repleta de pequenas gemas brancas espectrais e, invocando algo semelhante a um palito, começou a cutucar o fogo.

Novamente os dois ficaram calados. Nix, depois de um tempo, deu as costas e saiu vagando, porém, a única coisa que achava era o nada. Às vezes, sem motivo aparente, voltava para onde estava de início, perto do Caos, que ainda continuava a cutucar. Quando finalmente se cansou de tentar achar o sentido em algo, voltou para o seu Criador, e perguntou-lhe:

— O que está fazendo?

Ele imediatamente abriu um sorriso, que era tão largo que a assustou.

— Que bom que perguntou — respondeu ele —, estou criando...

— Como?

Caos olhou para o fogo, depois olhou para Nix.

— Bom, a partir da minha imaginação, estou dando forma a uma coisa real usando como base outra coisa que criei...

A mulher tombou a cabeça para o lado, ainda sem entender, e abriu a boca para perguntar algo, porém, antes que conseguisse, Caos se levantou, e disse:

— É mais fácil se eu te mostrar, certo? Veja bem...

— O que é isso? — ela interrompeu, apontando para as pérolas, que do nada começaram a cintilar com muita força.

Ambos se entreolharam.

— Você gostou?

— Uhum...

Caos sorriu.

— Pode ficar com elas, então. Creio que fica melhor em você — e se abaixou, rasgando uma parte da chama e colocando-a nas costas de Nix. O fogo se aderiu ao seu corpo e ficou semelhante a um vestido negro que se estendia além dos limites da visão, como uma grande cauda. As pérolas, naquele momento, brilharam como nunca, e o olhar da deusa se irradiava de felicidade; não havia mais vazio, mas sim a escuridão refrescante da noite, que tinha um aspecto gasoso.

A parte que sobrou, cujo tamanho agora era inferior, perdeu todo o brilho, ficando escura e fosca, como as mais profundas trevas. Caos conjurou novamente a vara, e cutucou a chama. Depois de muito tempo, ainda em sua busca assídua por sentido, Nix olhou para cima, e percebeu que havia uma imensa massa escura e disforme flutuando para além do nada. Anteriormente, ela tinha a visto, porém, não havia percebido de verdade. Somente naquele momento a questão surgiu como uma dúvida.

— Eu... — disse ela, e Caos imediatamente a olhou — Posso te perguntar uma coisa?

— Vá em frente!

— Aquilo, o que é? — e apontou para cima.

— Ah, é o seu irmão, Érebo. Porém ele é tímido, por isso não veio te ver.

— Foi o Senhor que fez?

— Sim.

— Então existem mais "eus"?

— Claro!

Caos tirou de suas vestes um ovo castanho cujas luzes que saiam de suas fendas e rachaduras brilhavam fortemente em várias cores distintas. Os cabelos de Nix se eriçaram numa força absurda, e seu espírito parecia que estava próximo à dissolução, porém, aos poucos encontrou estabilidade até que finalmente se acalmou.

— Eu sinto... Poder... — disse ela, esticando sua mão em direção ao objeto, que reagiu a tal ação, ficando mais quente.

— O nome dela é Gaia — disse Caos —, é a minha obra prima. Dei a ela parte dos meus poderes de criação. No entanto, por enquanto, não quero despertá-la novamente...

— Por quê?

— Bom, quando começarmos, não haverá volta. Além disso, muito poder nas mãos de uma criatura criada pode ser desastroso, sabe? O orgulho muitas vezes sobe a cabeça, e a pessoa fica má, muito má, então talvez eu deixe isso para lá...

— Eu tenho poder?

— Mais do que imagina.

— Eu sou má?

— Não...

— Então como explica isso?

— Eu basicamente queria testar, e tive a felicidade de você não der — e riu —, porém, não é porque você e Érebo são bons que os outros serão. Pessoas distintas possuem personalidades diferentes. No entanto, não é porque você é boa agora que mais tarde não ficará má... E eu estou sendo bem genérico quanto a esse assunto de bom e mau, pois as coisas são bem mais complexas que isso...

— Eu sou um risco?

— Talvez — ele sorriu —, mas é um risco que eu amo muito. — e olhou para cima, em direção a Érebo — O mesmo digo pra você!

E Érebo apenas grunhiu, fazendo com que a realidade tremesse.

— Ele não gosta de ser incomodado — acrescentou, ainda sorrindo.

E novamente voltou a cutucar a chama, só que dessa vez Nix permaneceu ao seu lado, imóvel. Caos parou, e olhou para ela, ficando assim por um bom tempo, só que em silêncio.

— Você sabe que não terá volta, né? — indagou ele.

Sorrindo, Nix assentiu, em silêncio, enquanto suas bochechas coravam ligeiramente. Caos suspirou fundo, e novamente tirou o ovo de suas vestes. Gaia finalmente nasceria. 

Nascido do Caos  - A Titanomaquia (Mitologia grega romanceada)Onde histórias criam vida. Descubra agora