Gaia e Urano

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Depois de muito conversarem, passando e repassando várias vezes os procedimentos para dar vida à mãe terra, finalmente os deuses empreenderam sua jornada rumo à criação, mas dessa vez sem voltar, após muito vagar, ao ponto inicial, coisa que não era muito fácil, afinal, era necessário fazer certos movimentos e mudanças bruscas de direção, como ir para a direita, seguir reto, parar, voltar, ir para a esquerda e etc. Nix era quem levava o ovo, mas não sabia o motivo. Havia perguntado várias vezes a Caos, que apenas sorria e esfregava as mãos.

Érebos também estava indo, mas sob a forma de uma nuvem, pois ele também, segundo o Criador, deveria fazer parte daquilo, porém se recusava a revezar o ovo, afinal teria que sair de sua forma espectral, o que, segundo ele, era bastante incômodo. Caos, durante toda a trajetória, aproveitava o tempo para os instruir, ensinando-lhes coisas como a "Paciência", "Fé" e "Esperança", e dizia-lhes coisas essenciais para a sobrevivência e ordem. Ele também lhes concedeu uma sabedoria quase ilimitada, e preencheu os seus corações com a vontade de continuar. Deu-lhes também o conhecimento oculto a respeito da imortalidade, instruindo-os a como tomá-la, e os fez jurar nunca revelar tal coisa a ninguém, a menos que fosse necessário. Em uma contagem humana de tempo, a "caminhada" durou cerca de um bilhão de anos, o que deu brecha para que os gêmeos aprendessem muitas coisas, porém, como Cronos ainda não existia, o que eles fizeram foi apenas seguir em frente.

Porém, quando Caos disse "Vocês são os meus maiores tezouros", lágrimas começaram a escorrer no rosto de Nix. Eles estavam perto de uma despedida, e ela, de alguma forma, tinha ciência disso, só não sabia como. Érebos também parecia ter entendido, mas aparentemente não teve reação alguma.

— Existem várias formas de se sentir o amor — disse Caos, em um de seus últimos ensinamentos —, mas a mais bela acontece através da entrega, quando você não se contenta em apenas sentir, mas de se pôr à frente, enfrentando quaisquer riscos, mesmo que isso lhe custe a vida...

— Custar a vida? — Perguntou Nix — Mas nós não somos imortais?

— Sim, porém "viver" não se resume apenas a literalidade do ato... — e se virou para eles, com um olhar meigo de compaixão — Não compreendes isso agora, pois mesmo que tenha recebido de mim todo o conhecimento, não vivenciaram as coisas na prática. Saibam que a sabedoria vem não só daquilo que nos é passado verbalmente, mas também do que experienciamos, custe isso nossa felicidade ou não.

Caos esticou o dedo, e limpou, com delicadeza, as lágrimas da deusa, que sentia, ao mesmo tempo, uma sensação de solidão e conforto. Depois, usando o mesmo dedo, abriu uma fenda, e desceu por ela, com os gêmeos o seguindo.

— Contemplem o verdadeiro vazio — disse ele, com sua voz ecoando —, e ali está o altar que preparei para este dia — e apontou para uma enorme mesa sustentada por quatro colunas brancas, que flutuavam ao longe, bem no meio do nada.

— Mestre — disse Érebos —, o veremos novamente?

— Sim. Basta olharem, todos os dias, para o interior de vossos corações, além, é claro, para o cerne de suas almas. Quando isso fizerem, lembrarão de mim, e eu estarei com vocês — e sorriu. — Vão em frente, a história é de vocês!

E, com aquelas palavras, Nix tomou à dianteira, com força e coragem, voando velozmente enquanto seu vestido preenchia todo o vazio, e as pérolas que haviam nele se tornavam as estrelas que conhecemos hoje, se espalhando com força e majestade enquanto suas luzes bruxuleantes só cresciam. Érebos subiu, e se estendeu para além da noite, e se tornou, em definitivo, a verdadeira escuridão. A deusa ainda chorava, porém, sua feição agora era de pura determinação, pois sentia que seu propósito estava ali, bem na sua frente, e que precisava agarrar com força sem ter medo de falhar, pois haviam colocado muitas expectativas em suas costas, e ela, apesar de suas inseguranças, sentia que precisava cumpri-las.

Chegou, enfim, ao altar, e colocou sobre ele o ovo, que se encaixou perfeitamente em um buraco que Caos havia preparado ali. Naquele momento, Gaia irradiou uma grande quantidade de poder, e Nix sentiu que deveria se afastar, pois a energia da Grande Explosão da Criação, por sua natureza, era um dos grandes segredos para o fim da Imortalidade. Enquanto tomava uma distância adequada, se aproximando cada vez mais de seu irmão, viu a luz crescer, e as colunas caírem após tremerem e racharem. A realidade estava sofrendo uma grande mudança, e as estrelas responderam a isso, ficando maiores e mais brilhantes. Aquela luz havia enchido a deusa com mais poder, que a fez olhar além dos caminhos da magia e do intelecto.

Eis, então, que finalmente aconteceu. Uma forte explosão de cores e magia espalhou, por todos os cantos, a matéria viva, e do centro de tudo, raízes emergiram e se entrelaçaram umas às outras, porém, diferentemente das que sustentam as plantas, essas eram de terra, com várias folhas grudadas nelas.

Nix sorriu, pois sentia a vida como nunca. Olhou, então, entusiasmada, para a direção onde havia ficado Caos, porém ele havia partido, e a fenda, desaparecido. Novamente sentiu um aperto no peito, todavia sabia que aquele não era o fim. Quando finalmente voltou sua atenção para o nascimento da Terra, que naquela altura se assemelhava a uma ilha, viu uma mulher emergindo no ponto de explosão, que agora havia se suavizado. Ela era belíssima. Sua pele era feita de terra, e em sua cabeça havia plantas que escorriam até a altura da cintura, como longas mechas de cabelo. Ela era relativamente grande, sendo um pouco mais alta que Nix, porém em seus olhos não habitava o mesmo brilho. Sua magia era mais confortável.

Eis que Nix desceu, e se pôs a frente da mulher, dizendo:

— Muito prazer. Somos irmãs!

— Eu sei! — respondeu Gaia, que sorria gentilmente. Tal aspecto ela havia herdado de seu Pai.

— Como?

— Antes de me pôr para dormir, Ele me mostrou um vislumbre de como você seria... Fico feliz em ter te conhecido!

— Ah...

Gaia olhou para cima, em direção a imensidão escura, e observou as estrelas e os outros astros que, se utilizando da poeira expelida por sua criação, aos poucos se formavam.

— O que é isto? — perguntou ela.

— Sou eu — respondeu Nix —, o nome é Noite.

— Noite...

Ambas ficaram em silêncio. Naquele momento, a única coisa que podia se ouvir era o som da terra se formando. Gaia fechou os olhos, e sorriu, dizendo:

— Sabe? Isso é bom, muito bom... A noite, o céu... Eu acho que poderia me apaixonar por isso... — e abriu os braços.

A noite passou, então, a ser mais firme, pois antes era semelhante a uma fumaça escura e disforme. Vapores se formaram, e cobriram tudo o que viam acima de suas cabeças. Relâmpagos e trovões surgiam, e a temperatura, antes quente, aos poucos se esfriava. Das nuvens apareceu um rosto, porém, seus olhos estavam fechados. Atrás, um corpo, e em volta a dele, mais vapor.

— Urano — a voz de Gaia ecoou —, apareça...

E o corpo da divindade caiu, e ouviu-se o som de muitas rachaduras e terremotos, seguidos de uma enorme explosão, como os raios que conhecemos hoje em dia, só que mais potente e reverberante. Nix, quando sentiu que vacilaria, levantou voo. Gaia, porém, continuou na mesma posição, imóvel, sentindo o poder daquilo que havia acabado de criar. Urano era majestoso, com uma enorme barba grisalha e cabelos que escorriam pelos ombros. Em sua pele havia esplendor, e em suas pupilas, o cintilar da glória. Ele e Gaia trocaram olhares, e instintivamente se aproximaram, deixando de lado as suas formas físicas para se tornarem um. Céu e terra, os dois se uniram numa troca absurda de magia e poder. 

Nascido do Caos  - A Titanomaquia (Mitologia grega romanceada)Onde histórias criam vida. Descubra agora