Edimburgo
Setembro, 2001Eu me pego imaginando como seria uma vida com ele. Na verdade, não é difícil imaginar, a parte difícil é acreditar. Em algum momento, ele deve ter tido sentimentos reais, embora eu não acho que estive presente em qualquer desses momentos.
Ele não está satisfeito com as pessoas ao seu redor e nem com ele mesmo, para ser sincera. A cada dia que se passa ele se afoga mais no abismo que sua própria vida criou e me sinto cada vez mais distante. Cada vez mais difícil de alcança-lo. De curá-lo.
Ele prefere fugir porque tem medo de encara-los. Está acostumado a ser culpado por tudo de errado em sua casa, e eu me acostumei a ser sua válvula de escape. Quando ele briga com seu pai, quando vai mal no colégio ou quando jogam os problemas de todo o mundo nas costas dele, eu sou a primeira pessoa a quem ele recorre. Na noite de ontem, chegou aqui por volta das onze da noite, encharcado da tempestade, um pequeno rastro de sangue escorrendo do nariz. Quando abri a camisa quase engasguei com os enormes hematomas no abdômen. Causadas pelo próprio pai, como sempre. Precisei ser rápida para não permitir que ele caísse no chão quando as pernas falharam e ele despencou sobre mim, chorando, e me pergunto como ele aguentou chegar até aqui acordado.
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Sempre acordo primeiro, e gosto de observar o seu sono. Ele se torna sereno quando dorme, gostaria que essa tranquilidade se mantivesse quando os olhos se abrem e ele se lembra de esconder seus fantasmas atrás de piadas sem graça. A sobrancelha se move desenhando uma expressão atordoada. Quando o toco, os olhos se abrem de imediato, completamente livres de qualquer resquício de sono. O sorriso vem logo após um suspiro cansado e dolorido. Sua mão está fria e a sinto tremer quando beijo delicadamente a sua palma.
"Obrigado por tanto. Eu amo você."
Não consigo respondê-lo, mas me sinto feliz por ouvir tal frase.
Durante os meses que estivemos juntos, não me lembro de tê-lo ouvido dizer isso mais de duas vezes, e na verdade, não sei mais se acredito que ele está falando sério. Gostaria de saber qual é a definição do amor que ele cultiva em relação a mim porque não sinto que essa relação seja justa para ambos. Mas vendo seus problemas, me sinto egoísta por querer exigir um amor duplamente recíproco entre nós, e me sinto presa a um laço numa espada de dois gumos que só corta de um lado. E corta profunda, grave e cruelmente.
(...)
No começo, eu me convenci que podia ajuda-lo e amar aos seus problemas como um todo porque eram eles que faziam dele, ele mesmo. Com o tempo o esforço doado começou a ser demais. Doía continuar. Ambos estavam machucados de modo que as feridas feitas durante aquele período nunca se tornaram, de fato, cicatrizes. Mantê-lo saudável e feliz tornou-se uma tarefa quase impossível a qual eu tinha que me dedicar 24 horas por dia já que qualquer tropeço poderia ser fatal. O peso de viver por duas pessoas era tão insustentável que me peguei afundando no terreno movediço que era estar com ele.
Acidentalmente assinei a sua sentença final quando o deixei, mas foi o necessário para manter a minha própria sanidade, uma vez que a dele parecia ter se esvaido tão rápido como surgiu. Na verdade eu nunca entendi o porquê de sempre ter me sentido como a culpada porque nosso relacionamento nunca passou de uma amizade um tanto elevada. Nunca houve um pedido formal, nunca falamos sobre isso, nunca foi algo verdadeiramente sério. O meu comunicado foi não resistir quando ele me afastou, obedecer quando ele dissesse que não queria me ver... me envolver com Rowan como não havia feito com Thomas. E esse talvez tenha sido o principal motivo para que ele despencasse de uma vez.
Sim, eu o amava.
Amava muito.
Não sei em qual ponto um amor tão grande foi capaz de desistir por causa dos seus problemas. Eu estava cansada demais para continuar e cada vez que seus surtos vinham contra mim todo aquele amor se desgastava. O coração estava calejado de tentar insistir em uma causa falida que nem mesmo o amor que sentia por ele estava sendo capaz de amenizar tornando-a aceitável ou ao menos tolerável. No entanto, ainda que eu tentasse me manter afastada para preservar minha própria estabilidade mental, quanto mais eu me via longe dele, mais me doía enxergar a sua queda. Thomas era um garoto animado, e embora eu soubesse que isso não passava de uma mera fantasia que acobertava a sua identidade real, saber que ele estava decaindo e não fazer nada me destruía aos poucos.
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strange souls
ChickLitThomas era o garoto mais desejado de todo o colégio, mas cultivava há anos um amor que ele considerava inalcançável por Avril, sua quase nêmesis. Quando percebe que não pode tê-la pra si tudo desmorona. Amar Avril era a única coisa que o mantinha sã...