to trust

4 0 0
                                    

Edimburgo
Abril, 2002

Ele a observa amargurado. Desejando dizer a ela tudo o que tem guardado em seu coração há quase oito anos quando se conheceram.

Ele vê o modo como ela sorri para Rowan, como ele a beija e diz coisas no seu ouvido. Coisas que ela provavelmente não deveria ouvir, que ele nunca diria a ela, porque ele não era como Rowan.

De dentro de uma das salas do prédio antiquíssimo da instituição, Thomas a vê através da janela abraçando-o após mais um treino de futebol, observando o modo desajeitado como ela tenta tirar o capacete da cabeça dele, o doce sorriso que ela o entrega após seus atos desengonçados. Ele deseja estar no lugar do babaca do capitão do time apenas para que ela o olhasse da forma que olha para ele, da forma terna, carinhosa... apaixonada.

Ele está sozinho com seus pensamentos porque ter companhia naquele momento seria tão massivo quanto continuar olhando para os dois - e ele não podia parar de fazer isso. Era metade do último ano letivo e seu melhor amigo só tinha tempo para sua namorada depois do recesso. Pois é, para Tess a tática de fingir odiar quem ama funcionou.
Enfim, não era estranho que as coisas em sua vida não fossem favoráveis aos seus desejos.

Odiá-la... amá-la... ele já não sabia a diferença entre um outro. Ele sentia a necessidade de odiar porque não a ter doía muito, encontrá-la todos os dias machucava, vê-la ao lado dele era tortura. Ainda assim, era cada vez mais difícil manter o ódio irracional pela única pessoa que ele faria qualquer coisa para ter para si.

Os olhos, agora marejados, se fixaram nas páginas do livro à sua frente, forçando sua mente nublada a mudar o foco para qualquer coisa que não fosse a existência de qualquer pessoa - e especialmente a dela. Ele desejou nunca ter entrado nesse jogo, na utopia de que mantê-la longe a traria para perto. Devia ter se aproximado, sido seu amigo, seu confidente, mas um ser-humano presunçoso, pouco exposto a demonstrações de afeto reais a não ser formas programadas por posições estratégicas de seu elo familiar, nunca seria capaz de desenvolver qualquer coisa semelhante ao amor que não fosse por si mesmo. Daí a redundância de amar aquela garota como se ela fosse a sua última chance de ser amado por alguém.

Vince percebeu o declínio que seu amigo se enfiou desde que Rowan e Avril começaram a aparecer juntos publicamente. A dor dilacerante observada por ele que Thomas não conseguiu comunicar, mas que estava ali. O silêncio nas aulas insuportáveis de física no lugar das besteiras que sempre faziam, a calmaria nos corredores substituindo os trotes que eles faziam juntos, os olhos entristecidos que antes comportavam um brilho maroto, sempre divertido, sempre ativo. Agora mudo, cansado, talvez inexistente. As alterações não se limitaram ao intelecto: o cabelo, sempre bem cortado e alinhado, agora anda crescido. Há olheiras debaixo dos olhos, e perdeu tanto peso que acharam estar doente. As reclamações e protestos contra o uniforme da instituição cessaram porque agora servem perfeitamente para esconder as tatuagens dos seus braços e abdômen.

Thomas não é mais o mesmo e Vince teme que a única forma de fazê-lo voltar a ser quem era seja a única que não pode ser solicitada. Avril Winston.

Ele segura um cristal apertado entre os dedos, aquele mesmo dado por sua mãe em seu leito sombrio no hospital. Entregou-lhe com um sorriso no rosto, embora a dor da maldita doença a queimasse por dentro e ela se esforçasse para não transparecer ao seu pequeno filho. Ele compara as funções do cristal rosado com os caminhos que tomaram a sua existência desastrosa. Significados que sua mãe lhe ensinou desde o início, os valores que passou para ele. Sua base parece ter sido alterada, totalmente contrária àquilo que aprendeu.

Quando Vince atravessou a porta observando o semblante magoado de seu amigo, repensou se falar com ele seria uma atitude sensata ou se era melhor deixá-lo enfrentando seu luto emocional, individual. Tess não estava por perto, e ele preferia assim. Tess era amiga da Winston, tinham gostos, manias, hábitos e características semelhantes. Estar perto de Tess era como ter uma versão alternativa de Avril e Vince pensa ser esse o motivo pelo qual Thomas tem evitado sair com ele quando a namorada está junto.

strange soulsOnde histórias criam vida. Descubra agora