Capítulo 4 - Sozinha na Multidão

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POV Ravena

Subitamente, meu corpo congela ao ouvir o som das portas do elevador se abrindo. A fraca luz que vem da lâmpada amarelada me faz sentir desesperada.

- Eu já falei que eu não como carne! – A inconfundível voz do Mutano preenche o ambiente, que ainda está escuro.

- E eu já falei que não tem carne na pizza de calabresa! – Cyborg responde.

- Calma Titãs! – Um Robin divertido fala, finalmente acendendo as luzes.

Olho rapidamente para meus cortes ensanguentados e uma onda de realidade bate com tudo em mim.

Por sorte, o sofá é virado de costas para eles, mas mesmo assim, conseguem ver minha cabeça.

Minha mente trabalha a mil, pensando em como poderia fugir dali. Mas infelizmente... Acho impossível.

Meu coração queima, desejando com toda força nunca ter saído do quarto.

Uma súbita vontade de cortar meu pescoço passa pela minha cabeça. Mas já é tarde demais.

- Amiga Ravena? – Ouço uma Estelar confusa perguntar. Mesmo sem escutar seus passos no chão, consigo senti-la se aproximando lentamente.

- Ravena? – Torna a perguntar Robin. Sinto a preocupação em sua voz.

Meu corpo ainda travado engole em seco.

Como vou explicar isso para eles?

O que vão achar de mim?

Ouço seus passos se aproximarem temerosos.

- Gatinha...? – A voz do Mutano faz meu corpo reagir.

Sem pensar muito levanto bruscamente do sofá, virando-me de frente para eles. Aperto o vidro ainda em minhas mãos e tenho dificuldades em encará-los.

Todos estão assustados, principalmente Robin.

Sentir essa preocupação emanando deles... Só me deixa pior ainda.

- Ravena... – A voz de Robin me faz encará-lo, ainda sentindo lágrimas teimosas pelo meu rosto. – O que... O que aconteceu? – Ele tenta se aproximar, mas eu ergo os braços, não querendo sua aproximação. Meu pulso arde e ainda sinto sangue escorrer.

Observo ainda tremendo seus olhos vagarem pelo meu corpo completamente mutilado.

- Eu... – Minha voz sai rouca e fraca, e me arrependo de ter tentado falar algo.

Aperto com ainda mais força o vidro, sentindo mais dor, e sangue quente.

Olho mais uma vez ao redor e só encontro desespero. Estão todos me encarando preocupados e sem saber o que fazer.

- Ravena... Solta o vidro. – A voz nítida de Robin me faz desmoronar de vez.

- Eu não posso! – Quase grito, sem conseguir parar de chorar. – Como eu vou parar isso se eu não puder me machucar?!

Vejo os olhos de todos se arregalarem.

A antes visível alegria foi substituída por puro pavor.

- Amiga Ravena... Você fez isso consigo própria? – Estelar tenta entender, mas parece assustada.

- Mas... Por que? Por que assim do nada? – Mutano questiona alarmado.

Isso bastou para eu surtar de vez.

Minhas pernas tremem e eu quase caio no chão.

Encaro os olhos de cada um antes de finalmente responder à pergunta.

- Não é do nada... Eu nem sei dizer a quanto tempo estou assim. Há anos eu me corto. Há anos eu sofro sozinha, tendo que aguentar crises quase todos os dias. Eu só... – Minha voz falha, e uma onda de ódio toma conta de mim. – Eu não aguento mais... – Finalmente caio no chão, chorando alto em puro desespero. – Eu só quero morrer...

Abaixo a cabeça e ouço os passos apressados deles vindo em minha direção.

Escuto Robin se ajoelhar em minha frente e levantar meu rosto com cuidado.

- Por que não contou para nós? – Sua voz é suave, mas sinto sua mágoa.

- É, teríamos ajudado. – Escuto Cyborg em pé ao meu lado.

- Vocês não têm ideia... – Minha voz falha e eu continuo chorando. – Vocês não têm ideia, do que é ter um pai assim... Ter essa angústia que me faz querer arrancar sangue do meu corpo... Me sentir sozinha o tempo todo e desejar... – Faço uma pausa. – Desejar estar morta.

Um silencio de alguns segundos se seguem, e sinto Robin segurar minha mão.

- Você está certa. Não podemos imaginar. – Ele levanta mais uma vez meu rosto, olhando nos meus olhos. – Mas podemos tentar. – Uma de suas mãos viram meus braços, analisando estragos. – A gente tem que limpar esses cortes, e costurar seu pulso.

Puxo minhas mãos de volta.

- Não, vocês não entendem! Não há nada que possam fazer para me ajudar. – Meu tom de voz sobe em desespero. – Simplesmente não podem! – encaro cada um deles mais uma vez, criando forças para me levantar. – Eu só... – minha voz baixa, e não consigo deixar de suspirar em pura frustação. – Só quero voltar para o meu quarto...

Tento abrir caminho, mas encontro uma Estelar parada em frente a porta.

- Sinto muito, amiga Ravena, mas pelo o que vimos... Não é uma boa ideia te deixar sozinha agora. – Ela me encara com um misto de tristeza e preocupação. – Me dói falar isso, mas... Tenho medo que acabe se matando.

- Ela está certa Ravena. Só queremos o seu bem. – Diz Robin. Uma breve pausa se dá enquanto volto a chorar por pura tristeza. – Apenas... deixe que a gente cuide dos seus machucados e... – Veloz como sempre, sinto-o arrancar o caco de vidro da minha mão ensanguentada. – Vou cuidar para que isso nunca mais chegue as suas mãos.

- M-mas... Como vou me machucar agora?! Eu não consigo sem isso! – quase grito desesperada.

- A ideia é que você não se machuque mais. – Diz Mutano se aproximando de nós. Sua voz, um tanto quanto áspera, corta meu coração.

Sinto os braços de Robin me envolvendo num abraço, e não posso deixar de retribuí-lo, chorando cada vez mais.

Deixo-me botar para fora, e tudo o que consigo fazer é chorar alto, me sentindo enfim completamente quebrada.

Sinto meus cortes arderem pelo abraço, e vejo meu sangue manchando o uniforme de Robin.

Meu pulso arde, e eu me arrependo de não ter terminado o trabalho.

Sinto minhas bochechas queimarem em pura vergonha. Nunca imaginei meus amigos, as únicas pessoas que se importam, me vendo desse jeito.

Eles não merecem esse fardo.

- Vai ficar tudo bem... – Ele sussurra.

E eu sei que não vai.

Jovens Titãs - O Único JeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora