O Vale dos Suicidas

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O Vale dos Suicidas
por William Couto

Na lástima dos ânimos, pesares,
Vi-me num chão de péssimos lugares.
Minha vida escorrendo devagar
como meu sangue caindo sem parar.
Num chuveiro que água apenas desce,
e mistura ao vinho que me veste,
cujo ruído e tempo me enlouquece,
me perdi e me achei como a própria peste.

Quase dormindo, estive em outros mundos:
o paraíso, o inferno e um mais profundo.
Porém fui desperto desse limbo,
regressando à nuvem; ao nimbo.
E quem que poderia imaginar?
Que detrás da portinha do banheiro,
uma mão iria pôr-se a batucar!
Logo a mim, que não tinha companheiro...

E fraco, quase morto, mandei entrar
o sujeito da porta e seu tocar.
Ouvi, então, como vozes espelhadas,
o grito dos umbrais e uma passada.
Uma passada qual me embasbacou
por ver que era um cadáver incolor,
sem amor, cuja forma me assombrou
e, de mim, arrancou o resto da cor.

Era alto; pele podre e descarnada.
Andava como bêbado em calçada.
As mãos arrastavam-se pelo chão,
e os pés iam na minha direção.
Confuso, amedrontado, ousei indagar:
"Quem é você? Que é que vem fazer?
"Mesmo agora, alguém vem me atormentar?!"
Mas nada do sujeito responder.

Então, ele veio e meu coração urrou;
e o último urro deste deslocou
num branco doloroso e sem amor,
que esvaziou de meu busto o calor.
Daí, fiquei perdido num tornado
de loucuras, tormentos, aflições...
Perdi a razão, o controle e o cuidado.
Um liquidado em versos de canções.

Puxado e maltratado na raiz,
repetindo que não fui feliz,
aguentando meus últimos ponteiros
— foi quando me senti completo e inteiro.
E por fim tocou o sino da verdade,
e eu me vi como um bêbado de calçada,
sem ganância, sem medos ou vaidade.
Apenas mais um morto atrás do nada. 

Poemas: DesoladosOnde histórias criam vida. Descubra agora