A vida no vinhedo dos Tremonti não era mais como antes.
O sol que tocava as terras naquele meio de tarde era frio e o ar carregava o cheiro de terra misturado com açúcar queimado e capim seco. Betina seria uma das únicas pessoas na fazenda capazes de dizer quais eram as ervas usadas naquela mistura que os trabalhadores jogavam nas fileiras de parreiras a se perderem de vista, mesmo que não compreendesse muito bem a escolha do marido por algumas delas.
Seria uma questão de semanas para que aquelas folhas perdessem o tom de verde e passassem para marrom, conforme o outono fosse sendo substituído pelo inverno.
A bruxa apoiou os cotovelos sobre a grade da varanda, estreitando os olhos azuis para enxergar melhor as pessoas à distância. As parreiras iam se tornando massas verdes conforme se afastavam do campo de visão e na linha do horizonte a serra delimitava os limites de Mempolis e se misturava com o azul clarinho do céu.
— É uma loucura dar essa mistura na mão de mundanos. — A voz de Tibério começou a se tornar mais próxima, encontrando mais um motivo para reclamar a Saul, o marido de sua neta Betina. Parecia ser sua atividade favorita desde que chegara na fazenda.
— Eles acreditam ser apenas uma mistura de fertilizantes para a terra, não há perigo algum nisso — Saul retrucou.
Betina virou a cabeça para trás, na direção das enormes portas de vidro escancaradas, que marcavam a mudança do ambiente da sala de estar para a varanda dos fundos, e viu seu marido e seu avô caminhando até onde estava.
— É uma irresponsabilidade sem tamanho! — Tibério exclamou e parou com uma mão na cintura e a outra balançando no ar, seguindo a agitação de sua fala. — Correr o risco de ter seus trabalhadores desconfiando do patrão que não envelhece não é o suficiente? Agora quer dar uma mistura dessas na mão deles? — Ele abaixou a voz, mesmo que não houvesse necessidade, pois não havia ninguém além deles no ambiente. — Francamente...
Saul encarou um ponto acima da cabeça grisalha de Tibério, seu olhar se cruzando com o da esposa, que estava o tempo todo os observando.
— Vou deixar o senhor na companhia de Betina — Saul informou, pedindo de forma velada para que ela fizesse companhia ao avô. Como se ela tivesse escolha de dizer não. — Preciso terminar de ler alguns papéis, antes que minha presença seja requisitada no jantar.
Saul se retirou, sequer se importando de disfarçar a indireta sobre as reclamações de Tibério para a neta de que, como dono e senhor daquela casa, ele deveria estar presente nas refeições mais importantes. Saul atravessou a porta pela qual passara menos de dois minutos antes.
Tibério soltou um resmungo e voltou-se na direção da neta, caminhando até ela enquanto soltava uma risada sem humor.
— Nunca vou me cansar de dizer que seu pai estava louco quando deixou que você se casasse com esse homem — ele disse, parando ao lado dela e apoiando uma mão sobre a grade da varanda.
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Dualitas (DEGUSTAÇÃO)
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