preciso de espaço

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Quando Jillian desceu para preparar o café da manhã, se assustou com a figura da filha sentada em cima do balcão de mármore com as pernas encolhidas.

- Ava? - a garota levanta o olhar ao chamado da mãe - Acordou cedo, querida? Aconteceu alguma coisa? - Ava suspira.

- Não dormi, na verdade.

O olhar de Jillian cai para o caderno no colo da filha e então para o violão descansando ao seu lado. Não foi preciso muito para entender o que estava acontecendo ali.

- Ava...

- Eu sei, eu sei. Preciso descansar, você diz - a mais velha cruza os braços - E eu vou. Mas agora o que eu preciso de verdade é terminar isso, mãe. Fui irresponsável o suficiente para deixar tudo para última hora e Lilith não me deixa esquecer disso.

- Exatamente como fazia quando era criança - o rosto de Ava se transforma em uma careta desgostosa pela comparação - Mas eu preciso de você saudável também. Então trate de terminar isso para tirar um cochilo, sim? - a loira se aproxima da filha, deixando um beijo rápido em sua testa.

Ava sorri.

Mesmo com o passar do tempo, Jillian parecia agir como se Ava não soubesse tomar conta de si. E talvez fosse mesmo.

- Sim, senhora.

- Panquecas? - ela afirma, pulando balcão e trazendo consigo o caderno.

- Agora que acordou, eu preciso muito usar o piano. Não quis fazer isso antes para não incomodar o sono de vocês - a mulher a olha por cima do ombro.

- Dez minutos no piano, e então venha tomar seu café da manhã e se recolha para o quarto.

- Péssima barganhadora, senhora Salvius!

- Me obedeça ou vou confiscar esse caderno de uma vez, Ava Daphne Silva! - Ava arregala os olhos comicamente.

- Oh, não! O nome completo. Você é má.

Escuta a risada da mãe antes de desaparecer pelo arco da cozinha, sorrindo distante quando os olhos encontram o piano despojado no mesmo local que deixou antes de ir embora.

O piano de seu avô adotivo, pai de Jillian. O piano que herdou quando Samuel Salvius faleceu, sussurrando ao ouvido de Ava que ela ainda seria uma grande estrela algum dia. Estrela essa que brilharia o suficiente para que ele pudesse ver do céu. Ele que a ensinou suas primeiras notas no piano, a mão ainda meio desajeitada, lábios crispados quando não conseguia acertar, e mesmo assim Samuel nunca perdeu a paciência. Ficava sentado ao lado da neta por horas, posicionado os dedinhos de Ava nas teclas, batendo palmas e comemorando alto quando ela acertava.

Samuel foi seu primeiro apoiador.

E agora ela o via em cada tecla daquele piano.

Passa o dedo indicador pelas notas mais agudas, lembrando quando os dedos escorregavam fracamente e de quando Samuel os pressionava novamente, dizendo para ela mantê-los seguros, para fingir que ele não estava olhando.

Começa a tocar a primeira música que aprendeu: you are my sunshine, acertando as notas de olhos fechados e lábios entreabertos para puxar o ar rarefeito.

Largou o caderno em um canto qualquer e se concentrou apenas nas memórias. No que parecia ter sido escondido em algum lugar estratégico em seu cérebro apressado pela cidade que nunca dorme, e se fez vulnerável mais uma vez, se assustando quando sentiu uma das bochechas molhadas.

Mas ela não parou.

Só interrompe as mãos bruscamente quando escuta a voz distante e conhecida. Ela para na metade do refrão, virando o pescoço apenas para ver a mãe em frente a porta aberta conversando animadamente com duas pessoas. Uma delas era Beatrice.

The golden hourOnde histórias criam vida. Descubra agora