Capítulo 2 - inconveniência

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O problema é que era tarde, eu não conhecia a escola e nem absolutamente ninguém dali, apenas a diretora Weens. Por um momento, pensei em ir até a pequena cidade de Jericó comprar escova e pasta de dentes, mas além de não conhecer muito bem o caminho e muito menos a cidade, nada me garantia que teria realmente algum estabelecimento aberto às quase 1:00 da madrugada.

Não queria abusar da boa vontade da diretora, afinal o erro de despachar a escova de dentes junto com o restante das malas foi meu. Os brasileiros podem ter inúmeras características não tão agradaveis assim, mas a falta de higiene não é uma delas. Mesmo tendo viajado o dia inteiro e sobrevivido de chicletes para o mau hálito a viagem toda, me conformei com a ideia de passar uma noite sem escovar os dentes.

Separei meu pijama e meu robe, tirei a bota térmica e vesti minha pantufa. Peguei uma toalha e fui em direção ao banheiro. Abri o chuveiro para que a água esquentasse enquanto eu me despia, e comecei a tirar a roupa. Soltei o cabelo  e fui verificar se a agua já havia esquentado. Ao colocar a mão e o antebraço debaixo da água corrente, um frio insuportável tomou conta do meu corpo, a água estava tão gelada que parecia cortar minha pele.

- Ok, parece que eu vou ter que incomodar a diretora a essas horas mesmo. - Falei baixinho pra mim mesma enquanto desligava o chuveiro.

Vesti meu robe e toda a minha coragem, calcei minha pantufa, respirei fundo e, tremendo de frio, fui até o quarto da diretora. Bati na porta e aguardei. Quando ela abriu, toda a coragem que eu havia tomado pra chegar até ali se esvaiu completamente, e uma sensação de vergonha tomou o seu lugar.

- Pois não, senhorita Mattos?    - Ela também vestia um robe bege e os cabelos já estavam soltos, sinalizando que estava pronta pra dormir.

Naquele exato momento eu me senti a pessoa mais inconveniente do mundo, mas agora eu já tinha possivelmente acordado a diretora, não tinha mais como voltar atrás.

- Peço mil desculpas diretora Weens, juro que eu não queria incomodá-la, mas meu chuveiro não está esquentando. Tem algum vestiário ou algum outro banheiro onde eu possa tomar banho? Pode ser dos alunos mesmo, eu não me importo.    - Apesar de ter falado isso tranquila, minha vontade era de procurar um buraco e enfiar minha cabeça.

- Ah, claro. Eu é que peço desculpas por não estar funcionando. Bom, você pode tomar banho aqui, se quiser. Os vestiários dos alunos ficam um pouco longe.

- Não é necessário, não quero te incomodar. Se você me ensinar o caminho eu vou até lá sem problemas.

- Imagina, eu insisto. E não se sinta mal, o erro foi todo meu de não ter verificado isso antes de te trazer pra cá.    - Ela insistiu, enquanto me dava espaço para eu passar pela porta e entrar no quarto.

- Tem certeza que não é um problema pra você?   - Eu disse, entrando.

- Claro, pode ficar tranquila. Amanhã mesmo mandarei arrumar o chuveiro do seu quarto.

- Muito obrigada Sra Weens, é muita gentileza da sua par...

- Senhorita.   - Ela me interrompeu e se sentou na cama.   - Eu sou solteira. É senhorita Weens.

- Ah, entendi, desculpe. Bom, é muita gentileza sua senhorita Weens. Aonde fica o banheiro?

- Por ali, fique à vontade. - Ela apontou para a porta na parede direita do quarto.

- Sem querer abusar da sua boa vontade, diretora, mas por acaso você também não teria uma escova de dentes sobrando? Despachei a minha junto com o restante das malas, sem querer - Dei um sorriso nervoso enquanto admitia a minha burrice.

- Claro. Pode pegar na primeira gaveta do armário da pia.

Fui até o banheiro, liguei o chuveiro para aquecer e tirei meu robe. Ao entrar no banho, reparei nos inúmeros cosméticos no box: hidratantes, esfoliantes, óleos corporais, sabonete íntimo... Ela parecia ser uma mulher muito vaidosa. Terminei de lavar os cabelos, desliguei o chuveiro, me sequei e vesti meu robe novamente. Saindo do box, calcei a pantufa e peguei a escova de dentes na gaveta onde ela indicou.

Amarrei a toalha no cabelo e saí do benheiro, e assim que abri a porta, Larissa se encontrava deitada sobre a cama, por cima das cobertas, como quem adormece acidentalmente, vencida pelo cansaço. Uma das pernas escapava sobre a fenda do robe, revelando a pele pálida da coxa da diretora, mais do que eu teria direito de ver tendo conhecido ela há praticamente 2hrs.

Aquela cena mexeu comigo, um dos braços delicadamente repousado em cima da barriga, o outro acima da cabeça. Os cabelos soltos ondulados, tão loiros que quase pareciam platinados, escorriam pelo seu pescoço como uma cachoeira dourada. Eu não tive outra reação a não ser ficar ali, parada, admirando por um breve momento. Não era como se eu encarasse de forma exatamente sexual a imagem da diretora dormindo na minha frente, mas confesso que fiquei tão encantada... A respiração leve, o tórax subindo e descendo conforme ela puxava e soltava o ar, a perna semiflexionada sob a fenda do robe bege, era angelical e poético.

Naquele momento eu a desejei, não vou mentir. Ela era linda, cada detalhe nela era perfeito: o sorriso, os olhos, o cabelo, a voz, a elegância ao se vestir, o jeito de andar, o jeito que ela parecia estar sempre posando para uma foto de revista. Mas de qualquer forma, era melhor eu não alimentar isso, primeiro porque ela era minha chefe, e depois porque provavelmente não daria em nada.

- Acho melhor você se cobrir pra não pegar um resfriado.    - Eu disse na intenção de acordá-la, para que visse que eu já havia terminado o banho e estava indo para o meu quarto.

Ela acordou um pouco assustada, e levou uma fração de segundo para processar o que estava acontecendo. Então, esfregou os olhos e se sentou na cama.

- Desculpe, senhorita Mattos. Peguei no sono sem querer. Precisa de mais alguma coisa?    - Sentada na cama ela ficava do meu tamanho.

- Não, agora esta tudo certo. Peguei a escova de dentes da gaveta, muito obrigada por me emprestar e por deixar eu tomar banho no seu banheiro.     - Eu me aproximei da diretora, e mesmo que eu tivesse acabado de pensar que não seria bom alimentar qualquer sentimento, inconscientemente queria apenas testar se aquilo seria capaz de dar algo ou se era melhor desistir de vez.

- Espero um dia poder retribuir a gentileza.      - Eu disse em um tom de voz mais baixo.

Ela não esboçou absolutamente reação nenhuma, apenas olhou fundo em meus olhos, e nossos olhares não se desviaram nem por um segundo enquanto ela se levantava da cama, me fazendo olhar pra cima. Após alguns segundos de seriedade, ela cortou aquele clima que minha fala havia construído com um sorriso:

- Imagina, não precisa se sentir em dívida. - Ela foi até a porta do quarto e abriu pra mim. - Boa noite, Srta Mattos. 

Eu deveria pensar que aquilo foi um corte, mas sempre fui muito boa em ler a linguagem corporal das pessoas e, acredite, por alguns breves segundos, naquele momento quando estávamos frente a frente, ela quis tanto quanto eu.

- Boa noite, Srta Weens.   - Eu olhei nos olhos dela uma última vez e saí do quarto.

Ok, agora era hora de descansar, eu estava exausta e no outro dia teria que acordar cedo. Um sorriso bobo me escapou quando eu parei pra pensar que encontraria Larissa pela manhã. Acabo de chegar e já encontrei uma aventura... isso vai ser interessante. Vai dar em algo? Não vai dar em nada? Pode ser perigoso?

Confesso que estou curiosa pra saber aonde isso vai dar.

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