Alternativas incorretas

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O jeito que seus dedos tilintavam sobre as teclas do piano, com graça e leveza, ao mesmo tempo que seu corpo mexia-se com emoção sobre o piano, com o mais puro drama encharcado de precisão. Era óbvio sua posse sobre as teclas, sua técnica indiscutível. O homem de cabelos escuros parecia pertencer a aquele piano branco, pertencer ao ambiente inegável da mais alta classe, parecia tão correto estar em meio aos duques, estar em meio ao próprio imperador.

A música que o homem tocava tornava tudo cada vez mais cômico e gracioso, ninguém diria, que quem observava o pianista com tanto apreço, seria o dedicado, Fantasma da Ópera de cabelos castanhos. Ninguém poderia imaginar, que para quem o pianista dedicava aquela música graciosa, significativa e imperdoavelmente única, era o ser mais sujo de todo aquele salão, o ser mais perverso, que mesmo em um poço de escuridão, poderia amar como uma alma pura, poderia amar o pianista de olhos arroxeados.

De um lado do salão, estava o demônio vestido de azul, cobiçando o pianista como ninguém.

Os olhares de admiração não eram poupados, e muito menos os olhares de desejo. O jovem russo, era inegavelmente atraente, com seus fios de cabelo escuros e recaídos sobre os ombros, sua postura tão perfeita como a de um cisne, com seus dedos finos, pálidos e exageradamente enfeitados passeando pelo piano, com seus olhos escuros que olhavam para o interior da alma de qualquer um, e com suas vestes tão elegantes quanto a própria existência dele. Ele não deixava de chamar atenção, afinal, era-se possível ver seus braços lotados de pulseiras de prata, e anéis claramente caros, em sua cabeça obtinha um enfeite também de prata, que possuíam cordas finas de prata que misturavam-se aos fios de cabelo reluzindo com a luz dos candelabros, e como se não bastasse esbanjar a sua riqueza e beleza, vestia uma capa branca que quase arrastava-se pelo chão, ela era rodeada de detalhes prateados como círculos e espirais. Aquele homem, se observado mais de perto, era definitivamente o mais chamativo dentre todos, o mais ambicioso, cobiçando a atenção, cobiçando o desejo, mas deixando-se ser intocado.

O jovem Fyodor Dostoevsky, o último da linhagem Dostoevsky, agora, vivia de sua música, afundando-se mais em posses e riquezas por seu talento inegável.

Ao longe, quem o observava do outro lado do salão, com seu olhar cheio, e coração apertado. Estava um garoto de cabelos brancos, segurava suas vestes a altura do peito como se pudesse segurar o próprio coração em suas mãos, sentia o ar faltar com o menor dos movimentos de Dostoevsky. Ele foi extremo, ele foi apaixonado, e viu em Fyodor, sua liberdade enjaulada, no momento em que o viu tocar, percebeu; Fyodor o havia trancado, e ele não desejava ser solto.

O show terminou, e o garoto de cabelos claros se apressou em falar com o artista assim que o viu sair por entre a porta. Em seu caminho, trombou com um outro garoto, este era um centímetro mais baixo que ele mesmo, tinha cabelos castanhos, com bandagens espalhadas por todo o seu corpo, inclusive tampando um de seus olhos. O platinado não pode deixar de se sentir levemente intimidado pela presença do acastanhado, pois ele olhou-o de cima a baixo com seus olhos castanhos e julgadores, enquanto parecia ir ao mesmo destino que ele.

— Me perdoe — Pediu, e sem dizer muito mais, saiu tropeçando em seus próprios pés enquanto corria a varanda onde vira o jovem pianista entrar. Passou pela porta que fechara-se quase automaticamente quando ele já estava ao lado de fora.

E não tardou nem mesmo um segundo, até que o platinado visse o jovem gracioso novamente. Recostado em um corrimão, alí estava ele, olhando as estrelas sobre sua cabeça, e com sua atenção totalmente longe. O garoto passou a aproximar-se em passos lentos e cautelosos, sentia-se nervoso, e queria que o outro jovem o percebesse o mais tarde que lhe fosse possível. No entanto, no momento em que se aproximou mais um pouco, Fyodor olhou-o rapidamente, e um sorriso surgiu em seu rosto, sorriso este que fez o coração do garoto platinado errar uma batida.

— Olá — Fyodor cumprimentou. O outro garoto engatou sua respiração, abrindo a boca diversas vezes como se tentasse fazer algum som sair, entretanto, fora em vão, pois sentia sua voz fugir junto de seu fôlego. Até mesmo suas pernas travaram e seus olhos desfocavam-se como se fossem parar de funcionar, tudo isso, devido ao seu nervosismo e a força em que seu coração batia em seu peito. — Um gato comeu a sua língua? — Ele riu, riso este que tornou o platinado mais incapaz de falar. Sua risada era tão linda quanto ele.

— B-b-bem — Iniciou, forçando sua voz a sair, gaguejando com a voz claramente trêmula. — V-você é ótimo no que faz, senhor D-dostoevsky.

— Oh. Obrigado. Mas não me chame de senhor, devemos ter a mesma idade — Virou-se completamente para o garoto desta vez, encostando as costas no corrimão, e cruzando seus braços.

— Quantos… — Murmurou, engolindo em seco, forçando-se a dar mais alguns passos para frente — Quantos anos tem?

— Cheguei aos vinte recentemente. E você?

— Vinte e um. — Desviou o olhar brevemente, e quando seus olhos encontraram os do russo novamente, sentiu todo o seu corpo esquentar. Os fios de cabelo dele voavam com o vento, e as pequenas linhas de prata faziam barulho quando tocavam uma nas outras devido ao vento, o sorriso não abandonava seu rosto, e seu olhar profundo e quase assustador, mantinha-se intacto.

— Como se chama?

— Nikolai Gogol.

— É um belo nome. — Seu olhar desviou-se de Nikolai, olhando para o céu ao lado, seus braços descruzaram-se e suas mãos tocaram nos corrimões, deslizando até que seus braços estivessem abertos sobre o corrimão. — Junte-se a mim, a noite está bonita hoje — Sugeriu, Gogol arregalou os olhos brevemente, e em passos lentos se aproximou, encostando-se também no corrimão, mesmo que um pouco mais ao longe.

Nesta noite, com duas taças de vinho sendo compartilhadas, eles utilizaram de seus desejos, e Fyodor, abandonou seu desejo de ser intocado, abraçando o desejo de ser e pertencer, ao permitir, tão facilmente, que Nikolai passasse sua pele áspera, em seu corpo feito de porcelana. Não por sua aparência, mas por sua fragilidade que assemelhava-se a uma das peças mais finas.

Fyodor era bom em fingir, era bom em falsa gentileza, e mesmo que tivera acabado em uma cama com Nikolai naquela noite, ele não quis mais tratá-lo com sua farsa. Mesmo que fosse um susto a Gogol conhecer um Dostoevsky totalmente diferente, ele precisou mostrar, precisou que ele soubesse o quão sujo ele poderia ser através de suas roupas brancas.

E Nikolai, pode amá-lo de tal ponto, a querer manter Dostoevsky para sempre, como seu único amor. E Fyodor, ele definitivamente concordaria com o que quer que o seu amado lhe propusesse.

A eles, não há uma resposta ou caminho correto, tudo que existe, são alternativas erradas.

Nikolai findou seu caminho cheio de alternativas incorretas, quando esteve naquela festa, naquela noite. Impedindo o destino de fazer seu trabalho.

Quatro histórias, um fimOnde histórias criam vida. Descubra agora