Prólogo

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7 de Novembro de 2022.

O som enjoativo do despertador ecoou pelo quarto, ação que me levou, contra minha vontade, a abrir meus olhos e me lembrar do porque eu os odeio. Rapidamente sentei em minha cama visualizando o maldito marcar sete horas da manhã. Eu daria meu mindinho para conseguir mais meia horinha de sono. Entretanto, meu pai, Henrique Chevallier, mostra-se uma pessoa muito exigente quando o assunto é disciplina e faz questão que eu corra e treine com ele todos os dias, chuva ou sol, feriados e aniversários.
            Num estalo lembro que é segunda feira, dia do meu aniversário. Apesar de ser uma data que não me agrada muito, dessa vez estou feliz e animada, já que estou completando 18 anos. Enquanto para muitos a maioridade é apenas uma marca de se livrar das ordens de seus pais, para mim marca algo que está em meu sangue: começar a participar oficialmente dos negócios da família.
Em um pulo, levanto de minha cama e a arrumo ligeiramente mesmo sabendo que dentro de algumas horas, eu vou bagunça-la novamente. Realizo minha higiene matinal, troco meu confortável pijama por uma legging e um top, ambos pretos — até porque não há muitas opções de cores em meu armário — e no tempo em que calço os meus tênis de corrida, lembro-me mais uma vez de agradecer mentalmente por morar em Miami, pois, mesmo no inverno da Flórida era possível usar roupas leves e sentir o calor abraçando a alma. Sensação que eu amo.
Saio de meu quarto e desço as escadas correndo, já observando o novo arranjo de rosas amarelas que minha mãe, Amélia Chevallier e arquiteta nas horas vagas, havia preparado para ornar com decoração minimalista de nossa casa. Eram as flores favoritas dela e casavam perfeitamente com o quadro pendurado na parede do sofá azul marinho. Ainda suspeito que a sala foi feita só para combinar com essas flores.
            Me direciono até a cozinha, já podendo sentir o delicioso cheiro dos waffles feitos por meu pai. Ao adentrar o cômodo não posso deixar de notar a mesa mais arrumada que o comum, com nossa louça e adereços de datas festivas composta por talheres de prata e porcelana inglesa. Em meu referido local, uma singela caixa embrulhada fazia companhia aos talheres.
Fiquei encostada na porta observando meu pai, com seus cabelos castanhos claros e seu clássico topete para a esquerda, comandando o preparado de nosso café da manhã, usando seu tradicional avental listrado azul marinho com branco com a frase "melhor pai do mundo" confeccionada por mim, aos 9 anos. Seus olhos castanhos escuros, reluziam sua felicidade na medida que sua barba contornava seu sorriso. Minha mãe o auxiliava, fazendo o café e o suco, seguindo suas ordens à risca enquanto dava risada de uma provável gracinha dita por ele. Seus cabelos pretos como a noite estavam presos em um rabo de cavalo perfeito, enquanto sua pele clara contrastava seus olhos escuros como uma jabuticaba. Dizem que fora dela que eu puxei os meus.
Vê-los assim, nessa leveza e companheirismo era a melhor parte de todas as manhãs. Eu não era capaz de imaginar meus dias sem eles dois, sem suas brincadeiras, ensinamentos e puxões de orelha.
- Eu sabia que o cheiro dos waffles funcionaria melhor que o despertador. – Disse meu pai se afastando do fogão e vindo em minha direção. – Bom dia, meu amor. – Recebi um beijo na testa e fui envolvida em um aconchegante abraço.
- Bom dia, pai. – Respondi retribuindo o abraço.
- Feliz aniversário, Cathie. Amo você! – meu pai expôs enquanto minha mãe se aproximava envolvendo nós dois em seus braços.
- Feliz aniversário, minha garota. - recebo um beijo em minha bochecha - Que seus dezoito anos sejam memoráveis. Te amo, filha!
- Muito obrigada família. Mas agora, acho que tem algo queimando.
- Eu estou imunizado dos seus truques para fugir do assunto, garotinha. Agora a senhorita acomode-se em seu lugar e abra seu presente. – ordenou meu pai, como sempre, muito mandão.
Me aproximei de meu assento destinado, observando com maior atenção aquela caixinha prateada. Não havia identificação de marca, o que atiçou ainda mais minha curiosidade. Enquanto eu pensava nas possibilidades do que poderia estar ali guardado, meu pai e minha mãe serviram a mesa, colocando como de costume os ovos mexidos, algumas opções de frutas, pães, suco de laranja e o café preto sem açúcar. Por ser meu aniversário, havia uma exceção: os waffles.
Voltei minha atenção a caixa prateada a pegando em minhas mãos. Novamente tentei desvendar o mistério do que ela poderia estar guardado, mas não obtive sucesso. Com um delicado movimento, desfiz o laço singelo que a envolvia, dando-me total liberdade para desvendá-la. Em um simples movimento a abri, e meus olhos se encantaram com o objeto brilhante que ali estava guardado: um colar feito em elo português com um pingente sutil em formato de coração esculpido em um rubi tão vermelho como o sangue.
- Nossa! É... belíssimo! – expressei enfeitiçada pela beleza da jóia.
Meu pai levantou-se e dirigiu-se até mim, pegando o colar de minhas mãos e o encaixando, suavemente, em meu pescoço.
- Combinou muito bem com você. – elogiou minha mãe.
- Muito obrigada! – agradeci enquanto meu pai voltava a seu lugar na mesa. - Mas não precisava tudo isso.
- Querida, queríamos algo que pudesse marcar essa data. Agora você faz parte oficialmente dos negócios da família e um dia será você quem irá comandar tudo isso. Você é nosso nome e esse colar representa parte da riqueza que é isso.– afirmou meu pai, com um sorriso orgulhoso em seu rosto.
Desde muito nova eu já sabia que pertencia a uma família mafiosa. Tal fato fez com que desde muito cedo meu pai levasse a questão "herdeira do reino" muito ao pé da letra, me treinando de forma pesada e exaustiva para um futuro que agora vinha se tornando presente.
A Máfia Chevallier é umas das mais antigas máfias americanas. Foi criada por nossos antecessores na época da Guerra Civil Americana com o viés de defender o nacionalismo e combater o imperialismo britânico e a escravidão presente na região. Com o passar dos anos, os negócios foram ganhando força e organização, tornando-se o foco principal da família. Assim, os negócios foram passados de geração para geração, sempre marcando de forma anônima nosso sobrenome em cada época histórica.
             Meu avô, Afonso, foi responsável por chefiar os negócios na época da Guerra Fria. O conflito era intenso por baixo dos panos, os negócios com as máfias russas se complicaram e o apoio ao governo era primordial para nos manter apostos. O surgimento das armas nucleares, já no final da Segunda Guerra, fez com que o mundo ficasse em constante alerta sobre possíveis novos conflitos homéricos. O medo contribui para que meu avô conseguisse movimentar o seu mercado de armas e munições entre os aliados americanos e o próprio Estado, fortalecendo nossos negócios em meio à crise. Graças a isso, hoje meu pai é quem chefia a família, por ser o filho mais velho, assim como eu, fora treinado desde novo para um dia assumir o cargo.
Meu pai assumiu os negócios da família após a morte de meu avô, em 2012, devido a um ataque cardíaco. E parece que ele nasceu para isso. A tranquilidade com que ele lida com os problemas e a facilidade que ele faz parecer que é gerenciar tudo, me deixam encantada.
Agora, o futuro da família está sobre mim, e eu começarei a seguir os passos de meu pai e entrar, aos poucos, nos negócios da família.
Após nossa refeição matinal e organização da cozinha, saímos os três correr pelo trajeto de costume. Normalmente, minha mãe não nos acompanhava, pois gosta de usar seus horários matutinos para resolver suas relações com clientes na área da arquitetura. Porém, segundo ela, era um dia especial e programas de computador e lápis de cor deveriam ficar para mais tarde.
O dia estava um espetáculo. O clima agradável, deveria fazer em torno de vinte e dois graus. Uma brisa de ar fresco soprava em nossos rostos na medida em que nos afastamos de nossa casa, no bairro South of Fifth e nos aproximávamos do Porto das Américas, o qual situa-se próximo ao local em que muitas ações da máfia são gerenciadas.
Apesar de ser consideravelmente cedo, ainda assim, era possível observar pessoas pelo caminho. Alguns, como nós, em atividade física, outros aparentavam estar saindo das badaladas festas da cidade. Algo que invejava, pois frequentar locais com música alta, bebidas e gente dançando, nunca fora algo permitido para mim.
Nem pude pensar e resistir muito à questão, quando vi, já havíamos chegado ao local. Encarei aquelas paredes e portões imensos da cor preta, enquanto tentava recuperar o fôlego. Quem vê de fora, pensa que a estrutura é frágil, o que despista certos curiosos. Toda a proteção do galpão vem das grossas estruturas de ferro que o recobre internamente, impedindo que sons ultrapassem e qualquer tipo de perigo que poderia ser evidente.
Logo ao chegar no local, cruzamos com meu tio Benjamin e Brian, meu primo. Fico surpresa ao vê-los ali já tão dispostos, pois eles costumam chegar mais tarde que nós.
- Bom dia família! – cumprimentou tio Benjamin, com seu receptivo sorriso. Todos nós o respondemos em coro. – Feliz aniversário, minha sobrinha favorita!
Foi então que recebi mais um abraço naquela manhã. Apesar de não curtir muito esse tipo de ato afetivo, definitivamente esse era um dia que eu não conseguia escapar. Ainda por cima, ele, como palhaço de sempre, desfez meu rabo de cavalo.
- Obrigada, tio! Mas há boatos por aí, que sou sua única sobrinha. – respondi ao mesmo instante que o fitava com o olhar.
Brian e meu pai não puderam deixar de rir da minha situação. Ato que me deixou ainda mais irritadiça.
- Feliz aniversário, Catarina. Espero que seu dia seja agradável. - Be se aproxima e deposita um beijo em minha testa. Sem abraços.
É fato que eu nunca tive um irmão. Mas eu e Brian crescemos juntos e inseparáveis. O fato de ele ser apenas 4 anos mais velhos que eu contribui para que fôssemos tão próximos e criássemos a nossa relação de irmãos de outros pais. Um sempre ajudando o outro, apoiando ou dando sermão. Ninguém conhece Brian tão bem como eu. E ninguém conhece Catarina tão bem como Brian.
- Obrigada Brian! Mas acho difícil ter um dia agradável quando se sabe que está ficando mais velha. - digo cruzando os braços e fechando a cara.
- E esse é o futuro da máfia. – afirmou meu pai em tom irônico.
- Já me acostumei com esse seu humor ácido pela manhã. – me provocou Brian – Apesar disso, tenho um presente para você. Se importa de me acompanhar até o escritório? Acabei o esquecendo lá.
Concordei com a cabeça, e imediatamente comecei a seguir seus passos. Dei uma última olhada para trás e observei que meus pais e meu tio já se envolviam em uma conversa. Provavelmente negócios.
- Meu pai queria dar um jantar hoje. Pelo seu aniversário e entrada oficial nos negócios. - diz irônico -;Te conhecendo bem, o convenci do contrário.
- As vezes eu não sei o que seria da minha vida sem você. – agradeci com um breve sorriso.
- Bonito colar! Combina com você.
- Obrigada. - digo enquanto o observo a um passo à minha frente em seu andar charmoso.
Continuo o seguindo e pensando no que Brian teria aprontado para mim. Seus presentes são sempre uma caixa de surpresa, como em meu aniversário de 6 anos em que ele me deu uma cobra. Na época eu era fascinada pelo animal em questão, mas a diversão durou pouco, pois minha mãe possui pavor por cobras.
Minhas memórias são interrompidos por um som ensurdecedor. Um estrondo. Uma explosão. Me agacho no impulso e posso sentir Brian fazendo o mesmo, por cima de mim, em sinal de proteção. Levei um segundo para associar, era uma bomba.
Olhei para trás, com medo do que veria. Meus olhos se encontraram com os de meu pai. Apesar de sua frieza, eu podia sentir seu medo. Mas não por si. Por mim. Aliás, não era uma situação que deveria ocorrer.
Em menos de um segundo, ele já se encontrava em posição de defesa com sua carabina IA2, assim como minha mãe e meu tio.
- Catarina, fuja! – gritou meu pai. – Brian, tira-a daqui.
Não foi um incidente. Era uma armação. Pouco a pouco começaram surgir pessoas armadas com as mais variadas armas, vestidas e encapuzadas de preto.
Meu primo seguiu as ordens de meu pai. Me pegou pelos braços e começou a me puxar em direção ao esconderijo. Ao decorrer de meus passos, eu sentia a adrenalina aumentando em minha corrente sanguínea, meu coração acelerar e o medo.
Olhei novamente para trás, com o intuito de verificar que estava tudo bem. Visualizei meu pai em sincronia com minha mãe derrubando alguns homens. Fiquei mais aliviada em ver alguns dos nossos já em posição.
Algo me chamou atenção. Havia um homem no meio disso tudo que não estava como os outros. Estava usando um terno azul marinho, e mesmo de longe consegui ver suas maçãs do rosto bem definidas, sua pele bronzeada, levemente dourada e seus cabelos pretos, tal qual pedaço de carvão. Havia algo em seu rosto que soava familiar, e ao mesmo tempo, me assustava.
Houve, então, um disparo específico. O som daquela bala percorreu todos os cantos daquele galpão. Ela havia sido disparada por aquele homem, em direção a minha mãe.
Senti meu coração batendo forte como se quisesse sair de meu corpo, enquanto assistia minha mãe ser atingida em seu coração. A vi cair em seus joelhos e perder todas suas forças. Não tinha mais possibilidade de se defender, sua arma cairá no chão. Um breve silêncio percorreu o local, e em seguida, o som agoniante de sua cabeça batendo no chão. E, em uma frequência cada vez menor, seus olhos piscavam, até em sincronia com sua respiração, cessarem o movimento.
Olhei para meu pai, eu podia sentir a dor dele. Ela era o amor de nossas vidas.
Soltei um grito, algo indefinido. Pude sentir Brian me envolvendo com mais força em seus braços, no intuito de me conter. Só então percebi, estava tentando correr em direção oposta a que devíamos seguir.
- Catarina! Não faça isso! – reportou Brian.
Brian estava usando toda sua força para me conter. Eu sabia que assim não conseguiria o que eu queria. Desferi uma cotovelada em sua mandíbula, não era preciso muita força para desnortear com um golpe desse tipo. Eu não queria machucar Brian, apenas me soltar e isso já era o suficiente. Peguei a arma que ele costumeiramente carregava em sua cintura.
O som característico daquela arma ecoou novamente pelo local. Já ofegante, olhei em direção ao maldito homem. Arregalei meus olhos ao ver que o alvo da vez era meu pai. Vi sua camiseta branca tornar-se vermelha e molhada. Sua respiração ofegante não o impediu de sinalizar para que eu corresse.
Eu corri. Mas certamente não era a direção que ele desejava. Eu precisava salvá-lo.
Mesmo com os olhos carregados de lágrimas, consegui atingir uns três homens. Mas isso não mudava a situação. Não mudava o medo de perder, também. Não mudava a dor de perder minha mãe.
Me distraí com a tosse de meu pai. Não era um bom sinal.
Novamente, o som ensurdecedor daquela maldita arma.
- Catarina! – gritou Brian, apavorado – Catarina!
Senti meu peito queimar. Arder. Senti minhas forças irem sumindo aos poucos. Senti minha camiseta começar a encharcar. Eu também havia sido atingida. Meus joelhos bateram no chão. Minha respiração começou a falhar. Eu já não era capaz de escutar mais nada.
Aos poucos, minha visão, também, foi desaparecendo.

Aos poucos, minha visão, também, foi desaparecendo

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RECADOS PAROQUIAIS.
Olá meus amores. Como estão?
Então, estou aqui hoje, 08/01/23, dando início a essa aventura de publicar no Wattpad. Já fazia um tempo que eu vinha ensaiando esse momento e enfim criei coragem.
Lá no Instagram, @natsaromanoff, estarei postando sempre maiores informações sobre a história, como personagens, etc. Sigam ein!
Bom, é isso. Espero que possamos nos divertir juntos nessa nova trajetória!
Beijinhos, Natsa R.

A Rainha do Jogo Onde histórias criam vida. Descubra agora