ᴅᴇᴄɪᴍᴏ ꜱᴇᴛɪᴍᴏ.

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Beatriz sentia-se como se tivesse no fundo de um poço. Não no sentido mau da palavra. Por um lado, até era, no entanto, no momento, encontrava-se deitada na cama entregue ao descanso, que acabou por conseguir ter ao fim de um longo período em que só se escutava o seu choro no silencioso quarto, e um som fazia-lhe sentir que necessitava de abrir os olhos. Era um som que parecia abafado pelo sono, mas que não parava.

Por essa mesma razão, a jovem de vinte primaveras obrigou-se a abrir os olhos. Enquanto contemplava o teto, apercebeu-se da origem do barulho. Era a campainha. Num estado de pura sonolência e de ressaca, a irmã gémea da melhor amiga de Ana Francisca manifestou-se confusa até que algumas memórias da noite anterior começaram a emergir na sua cabeça, essencialmente, o momento em que tinha combinado com Margarida de esta vir trazer os pertences que a loira havia deixado na habitação dela.

Considerando que a melhor amiga já estava tempo a mais à espera que lhe fossem abrir a porta, uma vez que Beatriz estava ciente de que não estava ninguém em casa, a estudante universitária fez um esforço e levantou-se da cama. Não se preocupou em contemplar o seu estado no espelho. Estava derrotada, por isso, não tinha capacidade para se contemplar. De certeza que tinha a maquilhagem borratada, visto que, na noite anterior, esqueceu-se de fazer a rotina habitual, ou seja, retirar a maquilhagem, lavar o rosto e passar o creme hidrante na face. Ainda assim, isso era o menor das suas preocupações.

- Desculpa pela demora, amiga. – Ao mesmo tempo que esfregava os olhos com as costas da mão, Beatriz proferiu ao abrir a porta da habitação. – Só podes estar a gozar comigo. – Acompanhada de um riso irónico, a loira mostrou incredulidade no instante em que o seu azul caiu na figura do jogador benfiquista. – Como é que eu não esperei por esta merda? – Sem hesitações, soltou um suspiro seguido das suas palavras e girou o corpo, voltando as costas ao moreno parado à sua porta.

Deixou a porta aberta para que Henrique pudesse ocupar o interior da casa e caminhou na direção da cozinha. Na divisão, de imediato, dirigiu-se ao frigorífico em busca de alguma coisa que lhe tirasse a atenção do jogador e, ao mesmo tempo, que acabasse com o seu estado melancólico. Sabia que necessitava de uns comprimidos para terminar com a dor de cabeça, de uma vez por todos, contudo, também, sabia que precisava de comer antes de ingerir medicamentos. Com esta luta em escolher o que lhe apetecia mais, quase que se esqueceu da presença do madeirense no espaço. Só que Henrique fez questão de a relembrar.

- A Margarida pediu-me para trazer as tuas coisas, uma vez que tinha de passar por aqui de qualquer das formas. – Beatriz não conteve o revirar de olhos ao escutar a voz grave do avançado benfiquista.

- Tinhas de passar aqui porquê? A Carolina esqueceu-se de te avisar de que ela não estaria aqui? – Apesar de estar consciente de que o veneno presente nas suas palavras não fazia bem a ninguém, e, acima de tudo, nenhum deles merecia, a jovem de cabelos claros não foi capaz de se controlar. – Qualquer das formas, podes deixar aí em cima e ir embora. – Ainda de costas para o natural do Funchal, apontou com o seu polegar para a bancada da cozinha, indicando o lugar para que fossem depositados os seus pertences.

- Pela conversa de ontem, eu percebi que a Carolina não estaria aqui. Por isso mesmo, é que tinha de passar por aqui. Para falar contigo sem ter alguém a interromper-nos.

- Não há nada para falar. – A estudante de arquitetura retirou o tupperware que continha lasanha confecionada pela sua progenitora – e, também, a sua comida favorita – a fim de a colocar a aquecer.

- Achas mesmo isso? – Beatriz apenas acenou com a cabeça, prosseguindo com a sua tarefa. – Pois, eu não concordo, Beatriz. – Mais uma vez, a de vinte anos revirou os olhos, daquela vez, pela pronunciação do seu nome próprio, em vez da abreviatura.

the story | henrique araújoOnde histórias criam vida. Descubra agora