u m

197 3 0
                                    

Meses antes


Algumas mensagens recebidas por Anya Albuquerque

Boa tarde, aqui é a Pâmela. Encontrei esse número na agenda do Daniel, o MEU namorado, então me diga o que você é dele antes que a coisa fique feia para o seu lado.

Oi, florzinha! Seu irmão disse que eu deveria falar com você para trocar uma ideia sobre um assunto. Seu nome é Anya, certo? Sou a Cristiana. Me avise quando tiver um tempinho.

Anya, quem fala é a Valeska. O seu irmão está por aí? Não sei o que faço, ele não me retorna desde quarta-feira passada... Pode avisá-lo para me ligar?

Olá, querida, sou a Suzana. O seu irmão pediu que eu perguntasse se ele ainda terá de levá-la a Florianópolis ou se está liberado no final de semana... Sinceramente? Desconfio que sejam desculpas de Daniel para não conhecer os meus pais. Você não acha o mesmo?

Atenda esta merda de ligação, sua filha da mãe acobertadora de safados! Quero que você e a corja da sua família, incluindo o filho da puta do Daniel, ardam no inferno, ouviu?! Aqui quem fala é a Sineide, uma das muitas do seu irmão cafajeste.

***

Quando Anya desligou o smartphone e o enfiou dentro da bolsa sem retornar a nenhuma daquelas mulheres adoráveis, tratou de guardar junto com ele a sua exaustão.

Não que quisesse responder a qualquer recado. O problema era a luta interna que sempre travava consigo mesma para manter todas as partes de sua vida em separado, assim como fazia com seus sapatos.

Luta interna? — ironizou em voz alta, tirando o cinto de segurança e apoiando a testa no volante. — O correto é chamar tal tarefa de número de acrobacias nível hard, corrida de obstáculos, batalha pela sobrevivência...

Não, não dava para comparar a facilidade e o prazer de guardar os seus bebês de salto alto com o trabalhão de enfiar essas "partes de vida" dentro de compartimentos. Isso porque, metaforicamente falando, manter a família, romances ocasionais, trabalho e amigos, cada um em uma caixa, era fácil. O problema consistia em trancafiar suas inúmeras cunhadas em outra e mantê-la distante das demais.

De repente, Anya riu sozinha, porque jamais poderia enfiar aquela mulherada toda em uma única caixinha e esperar que não se esganassem em poucos segundos.

Elas precisariam ficar em caixas isoladas dentro de um closet enorme, isso sim. E sobre o batente da porta, teria de ser colocada uma placa em neon com os dizeres: PERIGO! NÃO SE APROXIME!

— Porém, ao invés de ordená-las por cor e modelo, igual meus sapatos, classificaria cada uma por nível de simpatia, tendências homicidas e grau de loucura — ponderou, e logo se deu conta do que fazia. — Ai, meu Deus. Elas são as loucas, mas sou eu que estou falando sozinha?

Constrangida por seu minuto de insanidade e desespero, Anya ergueu a testa do volante e afastou aquele assunto da mente. Então conferiu o relógio de pulso, calculando quantos minutos teria para uma outra parte de sua vida antes de resgatar a que deixou na bolsa.

Quarenta, constatou, sentindo a expectativa surgir e vibrar dentro de si.

Sem querer perder mais nem um instante do limitado tempo que tinha, calçou suas sandálias novas, ajeitou os cabelos no retrovisor, pegou a bolsa e desceu do carro.

Sempre devemos separar pelo menos uns minutinhos para a Caixinha Romances Ocasionais, não é?, refletiu, e acionou as travas das portas antes de se dirigir à entrada da antiga casa com vista para a praia.

Segredos (DATA RETIRADA: 31/08/2023)Onde histórias criam vida. Descubra agora