q u a t r o

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Inaugurado no mês anterior, o restaurante Turmalina ainda era assunto na cidade graças ao seu ambiente repleto de luzes coloridas de todos os tipos, intensidades e tamanhos.

E não era para menos, dada a quantidade e disposição de cada uma. Algumas ofereciam ao teto uma aparência de céu estrelado e outras refletiam nos espelhos das paredes e cristais da decoração, simulando pedras preciosas carregadas de magia.

Ou de estrelas caídas, ao alcance das mãos de meros mortais.

Como se tal visão não fosse romântica o bastante, mais dessas luzes permeavam o labirinto de flores e o lago charmoso visível através das amplas janelas e área descoberta do restaurante, convidando a um passeio sob a lua num jardim encantado.

Era certo que vários seriam os pedidos de casamento e declarações apaixonadas testemunhados por aquelas flores e estrelas caídas. Afinal, dificilmente se resistiria a um lugar de sonho desse tipo.

Entretanto, alheias ao romance que as cercava e à música ambiente com juras de amor que o cover apresentava no palco iluminado, Anya e sua avó ocupavam uma mesa perto da janela e olhavam seus cardápios com posturas idênticas de concentração.

— Se o seu irmão não aparecer dentro de cinco minutos, pedirei o jantar. — Os olhos verdes de Aida, tão escuros quanto os da neta, percorriam as opções do menu. — E não me importa que seja o aniversário dele.

Acostumada à impaciência da avó em longas esperas, Anya pôs um dedo sobre o nome do prato que mais lhe chamou a atenção dentre as opções e ergueu o olhar.

Aida Donato Albuquerque vestia um tailleur muito elegante, num tom escuro de vermelho. E a armação dos óculos recentemente trocados a deixava com um ar bem jovial, sendo os cabelos curtos e completamente brancos a única indicação de sua idade.

Sempre muito bonita e impecável, pensou Anya, contente por se reunirem naquela noite.

— Os atrasos de Daniel são de mais ou menos meia hora, vó — lembrou-a, embora a espera fosse difícil para ela também; a parada na casa de Diogo a deixou com muita fome. — Nós é que sempre nos esquecemos de acertar nosso relógio com o dele.

Aida largou o cardápio sobre a mesa e alcançou a taça de água mineral solicitada ao maître assim que chegaram.

— Neste caso, aproveitaremos o tempo para uma conversa. Explique-me melhor essa história de ir para a serra como namorada do seu irmão no final de semana passado.

Anya reprimiu um suspiro. Não era a primeira vez que concordava em participar de uma mentira de Daniel, por mais que seus instintos de sobrevivência lhe gritassem: um dia isso vai ferrar você!

— Dora não pôde ir com ele — explicou, referindo-se à prima dos dois. Era ela quem adorava embarcar nessas loucuras, apesar da desaprovação de Aida. — E achei razoável aceitar, pois Daniel me explicou que sua nova enteada tem doze anos e se apega demais aos namorados da mãe. Portanto, apresentá-lo como um amigo comprometido a pouparia.

Aida pareceu ainda menos contente.

— Razoável? Quer dizer que vocês acharam que o mais razoável em uma situação dessas era mentir para uma menina de doze anos sobre estarem namorando?

Parecia muito ruim quando dito assim, mas Anya refletiu bastante antes de concordar em participar daquilo e já não havia como voltar no tempo.

— Sabemos bem que nossa mentira durará tanto quanto esse namoro, vó: umas semanas, no máximo alguns meses. Quero dizer, não que Daniel termine, mas uma hora a mulher perceberá que não está em uma relação exclusiva. Ou seja, a menina não descobrirá nada. — Falar aquilo lhe trouxe recordações não muito agradáveis, mas Anya as empurrou para o fundo de sua mente e continuou: — Foi melhor assim, acredite em mim.

Segredos (DATA RETIRADA: 31/08/2023)Onde histórias criam vida. Descubra agora