d o i s

116 3 0
                                    

Algumas mensagens recebidas por Diogo Vieira

Dan: mas que saco, Di, dá para deixar essa droga de celular ligado? Não se esqueça do nosso jantar hoje, hein? Amo você!

Júlia: Diogo, acabei de encontrar aquela sua camisa verde no meio das minhas roupas. Já sabe quando retorna? Faço um jantar, tomamos um vinho e comemoramos. Saudades.

Ká: oi, Di! Sei que conversamos ainda ontem, mas nem tudo pode ser falado por telefone, você sabe. Sinto a sua falta. Volta logo!

Bri: amor, acredita que agora é o micro-ondas que enlouqueceu de vez? Deve estar com saudades suas, igual eu. Posso fazer as malas e ir ver as praias do Sul com você? Beijo na boca!

***

Diogo largou o smartphone sobre a bancada da cozinha sem responder a nenhuma daquelas mensagens e esfregou o rosto com as mãos, a barba de dois dias lhe arranhando as palmas.

Nem descobrir sobre sua camisa o animava depois de levar uma manhã inteira e boa parte da tarde tentando inutilmente corrigir a droga de um bug no sistema de faturamento da empresa do seu cunhado.

Não que se tratasse de algo complexo. Já sabia qual o trecho de código lhe ferrava a vida, mas o simples fato de não ter dormido nem comido direito nas últimas noites cobrava o seu preço agora, o que significava concentração zero e uma puta dor no estômago.

Sim, deveria ser condecorado por cuidar tão bem de si mesmo.

Claro que já fez coisa pior. Em São Paulo, sua carga de trabalho era de mais de dez horas por dia, de tantos prazos apertados e pouca mão de obra. Então era comum ele passar semanas sobrevivendo quase exclusivamente de café e dormindo pouco, mesmo quando usava o computador de casa e se conectava remotamente sem bater o cartão de ponto.

O que não quer dizer que eu tenha de continuar a fazer isso aqui em Querência, ainda mais sendo patrão de mim mesmo, censurou-se.

Com um resmungo, Diogo se virou para a geladeira em busca das frutas compradas já picadas.

Não aguentava mais ver mamão na sua frente, mas esta era uma das poucas coisas que Karine lhe obrigava a comer e que ele sabia acalmar o seu estômago, principalmente depois da última xícara de café puro que não deveria ter tomado.

Pegou um garfo e espetou o primeiro pedaço da fruta antes de olhar pela janela sobre a pia, com vista para o mar.

Foi aí que percebeu continuar enfurnado dentro de uma casa toda fechada e usando a luz elétrica para se guiar.

Às cinco e meia da tarde.

Foda. Por que continuava fazendo isso consigo mesmo?

Obrigando-se a engolir um pedaço de mamão, Diogo largou o pote e o garfo em cima da mesa com certa impaciência. Abriu a janela do mesmo modo brusco e foi imediatamente recebido pelo sol do entardecer acompanhado do cheiro de maresia.

Fazia poucos meses que pediu demissão e resolveu seguir por conta própria. Como analista de sistemas e programador, ganhava muito bem, mas trabalhar com seus próprios projetos era melhor, pois montava parcerias com colegas em quem confiava e administrava sua agenda dentro de um cronograma aceitável.

Sem dever satisfações, sem depender de horários e sem ter uma síncope a cada contrato de prazo humanamente impossível que lhe exigiam.

Sim, Diogo tomou a decisão certa ao se permitir tomar as rédeas de sua vida profissional. Então por que continuava trabalhando com a corda no pescoço?

Segredos (DATA RETIRADA: 31/08/2023)Onde histórias criam vida. Descubra agora