Olhos Incendiados

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POV Giovanna Antonelli

E se eu disser que já não sinto nada? Que a estrada sem você é mais segura... Eu sei, você vai rir da minha cara. Eu já conheço o teu sorriso...

Era o primeiro dia de gravações com Nero. O modo automático do Spotify já denunciava muito de como eu me sentia.
Ouvi alguns burburinhos na semana passada, quando iniciei as gravações com Luci, das pessoas comentando sobre o meu afastamento de Alexandre. Queria que as pessoas soubessem, eu adoraria que todos soubessem. Gostaria que soubessem que nos últimos anos eu estive esperando o famoso Alexandre Nero decidir o que ele gostaria de fazer com a própria vida, para no fim das contas, escolher o óbvio. É automático: penso sobre isso e me sinto estúpida. Acreditar que Alexandre pudesse me escolher era uma completa burrice e me fazia sentir o que eu mais odiava: vulnerável.

Penso nisso enquanto dirijo, e agora ouço Cássia Eller cantar sobre voltar pra casa. Ele tinha essa habilidade de me fazer sentir assim: em casa. Agora, tudo me parece meio borrado. As memórias se misturaram às falsas promessas de "sim, eu vou colocar um ponto final nesse relacionamento e nós vamos viver o que quisermos juntos" [e aqui eu posso quase ouvi-lo dizer].

Nos últimos anos, estive em dez países diferentes. Externei à busca por essa sensação de lar e não encontrei em lugar nenhum. É desesperador buscar em todos os cantos do mundo a sensação que só alguém traz. E para mim, ainda é ele.

Chego ao projac e Luci já me espera. Sequer é dia de gravação dela hoje, mas ela sabe como pode ser um dia particularmente difícil pra mim, então resolveu me acompanhar. Hoje iremos gravar a cena que Helô e Stenio de fato se reencontram e pensar sobre isso... Nunca é fácil. Principalmente porque também será um reencontro pessoal.

- Ok, pessoal, vamos rodar a cena em que Helô vai jogar as flores de Stênio no lixo. - o diretor organiza.

- Alexandre, você pode se posicionar ao lado da lata. Stênio já estará esperando ela do lado de fora.

Nero dá uma risada sincera. Ele sabe tanto quanto eu que isso é típico do Stênio.

Eu estou na sala de dentro, é quase que automático: Helô recebe flores de Stenio, as joga fora e ele compra outras. Lembrar das gravações de Salve Jorge nesse momento me faz sentir segura. Posso fazer isso. Helô é tão minha quanto sou dela. Podemos fazer isso.

O diretor ajusta os detalhes finais e se prepara para iniciar as gravações.

- Três, dois, um: gravando!

Helô lê o bilhete de Stenio e automaticamente busca a porta dos fundos pra jogar as flores no lixo. Eu hesito em abrir a porta. Quase consigo ouvir a respiração nervosa do outro lado. Ao menos nisso ainda o conheço, aparentemente está tão nervoso quanto eu.

Quando abrimos a porta, eles estão lá. Stenio está e Alexandre também. O sorriso torto, safado e inconfundível me encontra. O cabelo quase chama pelas minhas mãos. Ele está de terno, e me oferece uma risada sincera, quando pede "paz". Sei que não fala só por Stenio, é quase um pedido de trégua, e ele faz isso bem. Em um milésimo de segundos penso no quanto de nós dois existe nesse casal que trouxemos à vida. Que loucura.

Quando finalizamos, ele não se esforça em disfarçar. O diretor grita "corta!" e ele imediatamente anda na minha direção, me olhando com cuidado, como se não quisesse perder nenhum detalhe. Ele gasta alguns segundos encarando a camisola transparente que Helô usa nessa cena, e me olha novamente, sorrindo de lado.

Nero me puxa para um abraço e a equipe nos aplaude, como quem dá as boas vindas novamente.

Nós nos abraçamos e ele encaixa seu nariz em meu pescoço, enquanto se perde no meio dos meus cabelos. Agora, novamente, tudo parece um borrão, porque Alexandre intensifica esse abraço aparentemente tão inocente, e aperta seu corpo contra o meu. E isso bastou. Nossos corpos pegam fogo. Eu me odeio por ainda sentir tanto, é verdade, mas eu sinto, e ele sabe.

- Algumas coisas aparentemente não mudaram.

Ele sussura antes de me soltar, como se soubesse o estado que meu corpo se encontra depois de senti-lo assim.

Isso tudo acontece num milésimo de segundos, mas me parece a eternidade. Sou atingida pela realidade dura e infame... Eu não deveria me sentir assim porque ele não é meu. Ele não escolheu arriscar e escolher o que nós tínhamos.

E é nesses momentos que agradeço as pausas que temos entre as cenas. Preciso de espaço. Preciso respirar.

- Ok, Giovanna e Nero, vocês podem aguardar na sala 1, já retornaremos para o novo take na sala da casa da Helô. - o diretor orienta.

Eu me dirijo à cozinha do set para tomar água, quando vejo uma luz de nova mensagem aparecer no meu celular.

P.O.V Alexandre Nero

O efeito que essa mulher tem sobre mim é insuportável. É infernal, é desumano. E eu gostaria de sentir mais de todas essas coisas. Todas essas coisas que eu sempre senti só com ela. A falta que ela me faz é insuportável.

Agora estou na sala 1 de descanso, aguardando a próxima gravação. É doloroso pensar que ela não suporta permanecer alguns minutos na mesma sala que eu, já que não está aqui. E eu seria um otário se ousasse culpa-la por isso. Então, digito uma mensagem no WhatsApp.

Nero: Podemos conversar?
Gio: Não temos nada pra conversar.

Meu peito estremece. Ainda que fosse minha culpa, lidar com a "indiferença" dela era insuportável.

Nero: Precisamos conversar. Não vou tomar mais de dez minutos do seu tempo, eu prometo. Por favor, Giovanna.

Gio: Me encontre na sala de reuniões após as gravações.

Desatando NósOnde histórias criam vida. Descubra agora