Sinto a superfície gélida e dura da mesa pressionando meu rosto e levanto a cabeça lentamente, me recordo de quem eu sou, de onde estou e dos acontecimentos da noite anterior.
“Olá Robert – digo sorrindo quando percebo seus olhos começarem a travar e seu corpo pender para frente.
Em reflexo avanço e o seguro, tendo uma visão do seu pescoço e percebo marcas de unhas em sua pele rasgada, que cobria quase toda extensão do seu corpo robótico.
– O que será que aconteceu com você, hum? – sussurro, encostando-o na parede.
É inevitável, me sinto mais confortável com máquinas do que com pessoas – penso balançando a cabeça.
Começo a pegar as amostras e desenvolver um tecido sintético à base de silicone e com músculos artificiais, este é tão semelhante à pele que basicamente não existem diferenças.
Passo o resto da noite pesquisando cada pedacinho dele, encosto-me à mesa – Olá mesa – digo fechando os olhos em seguida, sentindo o sono me levar.”
Limpo o canto da boca me situando e observando a oficina silenciosa e calma, a forte iluminação penetrando através das enormes janelas de vidro e estremeço enquanto as cortinas de metal descem.
Um dia vou pintar todas essas janelas de preto - penso e sinto algo gelado encostar em minha panturrilha.
– Está vinte cinco minutos atrasada. – a voz robótica se fez presente e graças ao susto eu quase o chutei para longe.
– Fox seu robô inútil, quase tive um ataque cardíaco. – digo me levantando e olhando em volta, o robô agora estava deitado na mesa a centímetros de onde minha cabeça estava apoiada.
Pelo pulso consigo abrir o relógio nas lentes de contato 07:25 - merda, merda, merda - corro em direção à saída passando pela cápsula e sua fina camada de proteção, feita com uma junção de pequenos nanorobôs magnéticos e vidro líquido, os nanorobôs quando programados se afastam e dão passagem.
– Devo solicitar apoio médico emergencial?
Deixo o Fox para trás e corro até o quarto, começo a tirar a roupa e entro no chuveiro em seguida.
As fortes duchas lançam oxigênio com hidrogênio contra a minha pele, entretanto, diferente da água líquida ambos estão na forma de gás, assim os banhos se tornam mais práticos. Todos os meus músculos relaxam e começo a ouvir barulhos de alguém tentando atravessar a fina película da porta do meu quarto, me enrolo na toalha correndo para o quarto e vejo meu irmão com a cara imprensada contra a película transparente.
– Lia me deixa entrar, vai. – o Leonard pede e fico ponderando um pouco.
Libero sua passagem em seguida clicando em meu pulso e vendo o mesmo alcançar o chão com uma agilidade assustadora, seguro o riso mordendo o lábio, é engraçado ver um garoto de 1.80 caindo no chão.
– Ai. – murmurou com seu rosto contra o chão, o Leonard é dois anos mais novo que eu, mas pelo seu corpo ele facilmente aparenta ter dezenove anos.
– Fala logo o que veio fazer aqui. – continuo meu caminho até o guarda-roupa.
– Você disse que iria me emprestar o skate. – ele fala passando a mão na testa e se jogando na minha cama.
- Ah e você está atrasada pra aula. - me lembra e jogo o Sky nele, acertando seu estômago e ouvindo seu urro de dor acompanhado de uma careta.
– Não precisa me apontar o óbvio, agora saí! – Ele saí e me viro pra procurar uma calça preta – Ele está com um problema na aceleração, tome cuidado, não pude resolver ainda. – aviso observando que estou falando sozinha, dou de ombros e me visto.
Peço um carro unitário pela projeção em meu pulso e em alguns segundos recebo a notificação de que ele já estava na frente da minha casa, passo na cozinha e pego meu suplemento vitamínico, vou até a saída e encontro o carro a minha espera, entro e sigo até a escola, tomando aquela bebida e ouvindo música.
Li em um antigo livro digital uma frase que nunca saiu da minha mente dita pelo artista plástico Francisco Brennand "A vida sem música seria um exílio. Não poderia mesmo conceber num o ser humano viver sem música. Entre outras coisas, deve ser um antídoto à morte de forma geral", essa frase é tão bruta e ao mesmo tempo real.
É estranho como o ser humano, naquela época, conseguia ser incrível e ao mesmo tempo desprezível. Dizimando milhares de raças, matando uns aos outros e produzindo arte, algo que hoje em dia não é mais nada além de velhos conceitos abandonados.
Paro em frente ao alto prédio e sai correndo passando pelo scanner óptico, ignorando a voz que anunciava o memorando de atraso, acabei sendo novamente recebida pelo professor Freud e decido que o melhor caminho é ir rapidamente até a mesa.
– Lia. – ouço sua voz e me viro, encontrando-a com seus cabelos vermelhos tão intensos soltos, que contrastavam perfeitamente com seus olhos castanhos.
– Oi Maya. – sorrio e a mesma me entrega uma caixa azul.
– Aqui está o modulador de voz, não poderei ir pra sua casa hoje - diz sorrindo e então se aproxima mais – Tudo certo com o robô? – sussurrou se afastando.
– Ah sim, tudo certo, hoje irei terminar seu corpo e faltará apenas passar os dados básicos – explico guardando a pequena caixa azul dentro de um espaço na mesa, através de canos de sucção, com acesso direto ao meu armário, ele a transporta.
Logo volto a minha atenção para o professor que estava apontando as principais características de um sistema de computação XX.
As únicas aulas que teríamos hoje passaram rapidamente, vou até os armários e retiro a caixinha azul, abro e posso ver sua estrutura vermelha, imitando perfeitamente o formato de cordas vocais reais, sua sonoridade deve ser perfeita. Me animo e caminho até a saída quando começo a pensar em comidas, raramente sinto fome, mas hoje posso sentir meu estômago roncar e vou mais rápido até o carro.
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Apenas um Robô
General FictionAmélia Evans sempre almejou o desconhecido em sua vida, após anos vivendo com seu irmão mais novo e tentando superar os mistérios que permeiam a morte de seu pai, ela se viu novamente enfrentando o sistema criado para a formação de uma sociedade per...