Algo segura minha cintura quando estou entrando no veículo, por causa do contato brusco o frio corre minhas costas.
– Ou você me solta, ou terá que comprar uma prótese pro seu pé. – digo e sinto seu aperto diminuir e seus dedos deixarem a pele exposta entre o moletom e a calça.
– Calma, olhinhos. – diz e o empurro tentando entrar no carro quando sua mão puxa meu braço – Eu quero ajudar no nosso trabalho.
– Ajudar? – pergunto e o mesmo assente movimentando seus cabelos loiros.
– Isso mesmo, vou pra sua casa hoje. – o Liam anuncia entrando no carro e sorri cinicamente.
– Saí agora! – digo e vejo o mesmo se deitar mais no banco.
Vejo que discutir com ele não vai levar a nada, ele é teimoso e provavelmente está fazendo isso para me irritar e se tem algo que não estou no clima hoje é para ficar irritada.
– Senta a... – o interrompo e puxo sua camiseta, fazendo o mesmo sair desengonçado.
Me sento e dou dois tapas na minha coxa, ele senta no meu colo e começa a rir.
– Você é mesmo teimosa, hein? – não respondo e apenas presto atenção na paisagem, esperando ansiosamente o final desse passeio torturante.
{...}
Chegamos à minha casa e ele continua com um sorriso cínico em seu rosto, ouço a porta abrir e entro ponderando se devo só fechar na cara dele, mas quando vejo ele já está parado no centro da sala e olhando tudo com um ar debochado.
– Sua casa é bem diferente de você. – o encaro e ele continua adentrando os cômodos – Tudo claro e bonito.
Paro de andar e travo todas as portas observando uma delas bater contra seu rosto, sorri e continuei até a oficina ouvindo seus murmúrios de indignação.
Volto a organizar sua armação e procuro o encaixe próximo a sua a sua garganta, fecho a passagem e reparo em seu corpo agora totalmente restaurado. Seus cabelos brancos bagunçados, mesmo tentando arrumá-los não consegui, a pele que marcava seus músculos artificiais e procuro por alguma falha estrutural.
O robô é bem mais alto que eu - tenho meus pensamentos interrompidos pela voz do loiro.
– Então eu faço o que? – pergunta me observando andar até o canto da sala e pegar o computador.
– Eu implantei o modulador de voz, já que quer ajudar apenas passe essa pasta para o compartimento atrás da orelha dele. – ele arranca o fino computador de minhas mãos e o transferidor de dados digitais.
Saio da oficina, após cobrir o robô com uma manta metálica, deixando ele lá e vou até a cozinha a procura das minhas jujubas sem açúcar. O armário abre e vejo os pacotinhos brilhando, sou capaz de ouvir sinos de vitória e os pego, abrindo um deles em seguida, como e sinto meu estômago se acalmando aos poucos. Quando em meus olhos surge uma mensagem do Matthew.
"Oi amor, tudo certo com o robô?"
– Tudo certo sim, e para de me chamar de amor – respondo e posso até imaginar ele sorrindo nesse momento.
"Quando vem me ver, hein?"
– Irei logo, prometo, tenho que ir agora, até depois, menino prodígio – fecho as mensagens e volto a saborear minhas deliciosas jujubas.
Ouço barulhos, um forte som de choque entre metais e corro até a oficina.
A cena é estarrecedora, o corpo robótico do robô se debate com força contra o metal da mesa, posso ver as peças tentando resistir ao impacto e o Liam encara tudo com um olhar assustado.
– Merda, merda, merda – sussurro mordendo os lábios, me aproximo do computador tentando resolver o problema que ele havia feito, todos os códigos da rede estão exibidos na tela exposta ao lado da mesa.
– Calma espertinha. – diz e sinto meu sangue ferver – Isso vai ser bom, ele vai ser mais inteligente que os outros robôs.
– O que você fez? – pergunto e vejo o símbolo notificando que todos os arquivos da minha CPU já foram passados.
– Inteligente. – o sarcasmo escorre e tiro meus olhos da tela – Meu computador tem um sistema avançado e decodificado, sem contar todos os acessos a qualquer informação, isso é muito maior e mais complexo que uma simples inteligência artificial. – suspiro jogando a cabeça pra trás, a desgraça já estava feita.
– E qual o problema? O robô só vai ser mais inteligente. – continua e dessa vez me levanto indo em sua direção.
– O problema é que o sistema dele não foi programado pra isso, é como tentar computar todos os dados do meu sistema em um armazenamento reduzido. – digo apontando pro robô e em seguida pra mim – Agora a otária aqui vai ter que refazer todo sistema.
Nesse momento meu receio é que ocorra o “Vale da Estranheza" , li em algum artigo quando estava estudando, consiste basicamente no fato de que quanto mais o robô parece real, tanto fisicamente quanto na inteligência, mais as pessoas iriam temer. Sendo que eu nem teria chance de chegar a isso, com sorte o sistema não foi totalmente queimado e eu não vou ter que passar o próximo mês em busca das peças queimadas.
– É melhor você sair daqui, ou eu vou te matar. – digo serrando os dentes e apertando meus punhos sentindo as minhas unhas rasgarem lentamente a pele das palmas das minhas mãos.
Ouço a porta da frente bater e estou sozinha novamente, só que agora tenho mais um problema para lidar.
{...}
"Trabalho em dobro" é o que dizem, mas na verdade sinto que fiz uma fábrica de robôs.
Ele era tão simples e agora sinto minhas costas pedindo descanso, já perdi as contas de quantas vezes tive que recomeçar do zero por causa das travas de bloqueio, meu sistema criptografado sofreu alguma alteração, as senhas, os códigos, tudo foi mudado.
Enquanto trabalhava pensei em algumas formas de tortura pra um loiro.
– Lia, vai passar a noite aqui? – A cabeça do Leo surge na porta e ele se aproxima parando atrás de mim, quando ele havia chegado? Já está de noite? As luzes se adaptaram ao longo do dia e não percebi que a noite havia chegado?
– Vou sim maninho, pode ir dormir, tome a sua vitamina. – ele assentiu saindo, volto a minha atenção a tela tentando continuar a decodificação.
Encosto minha cabeça na mesa onde estava seu corpo robótico e começo a bater a mesma com certa força, já era a vigésima nona vez que tentei tirar pelo menos os dados básicos da CPU.
– Caso continue serei obrigado a intervir, ou poderá ter uma séria concussão cerebral. – levanto a cabeça com o susto e seus olhos verdes me fitavam com curiosidade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Apenas um Robô
General FictionAmélia Evans sempre almejou o desconhecido em sua vida, após anos vivendo com seu irmão mais novo e tentando superar os mistérios que permeiam a morte de seu pai, ela se viu novamente enfrentando o sistema criado para a formação de uma sociedade per...