Liam
- Turma, a maior parte de vocês, pelo que sei, está fazendo aulas de teatro e vai apresentar um musical no final do ano para ninguém ficar retido em certas matérias, como a minha - Ela me fuzilou com o olhar. Será que sou o único aqui que não sabe expor seus sentimentos? - Eu, como professora de Literatura, tenho o prazer de mostrar o valor dos teatros para vocês e, por isso, estou auxiliando o professor dessa disciplina. Esse ano a peça vai ser maravilhosa, maravilhosa! - Diz com um sorriso. Ela tem uma mania de colocar a palavra maravilha e seus derivados na maior parte de suas frases. - Vocês agora sentaram em pares, os definidos ontem à tarde pelo professor. Aqueles que não fazem parte da turma para o musical irão se juntar com outros alunos que eu decidirei. - Ela deu um sorriso maléfico.
Enquanto os alunos reformulavam a organização das carteiras, a senhora Kaspers foi ditando as duplas de teatro. Joshua fez uma careta quando ouviu o nome de sua parceira, Bonnie. Não que a garota fosse feia, ela era realmente bem bonita, mas sei que Josh preferiria trabalhar com Lori. "Não é que Lori seja uma garota atirada e fútil, ela apenas ainda não achou uma pessoa que ela realmente ame para compartilhar o resto de sua vida. Enquanto não me enxerga, ela aproveita a vida como deve ser aproveitada"; ele sempre dizia quando entravamos no assunto, o que rendia horas de discussão.
- Liam? - Virei-me em direção a voz e percebi que é Gwen. Instantaneamente descruzei os braços e desencostei-me da parede. Pela primeira vez ela me chamou pelo nome. Gwen pareceu-me envergonhada e possuía um pequeno sorriso gentil sem mostrar os dentes. Infelizmente ela voltou a usar as roupas gastas e os sapatos esburacados, acho que aquilo foi apenas uma ideia momentânea do professor.
- Sim?
- Desculpe interromper, mas vamos? - Percebendo meu olhar confuso ela suspirou. - Iremos trabalhar juntos aqui e no teatro. Também temos que marcar de ensaiar a cena que a senhora Kaspers dará no fim da aula para segunda. Chamei-lhe para sentarmos, todos já estão terminando de se organizar.
- Ah sim claro, nem tinha reparado - Falei meio sem graça e dei um sorrisinho. Nossa. Nunca falei desse jeito com ela, geralmente só há brigas e agressões verbais, que estranho.
- Agora voltando à matéria de aula, por favor. Todos vocês terão de fazer uma apresentação oral sobre o novo tema que revisaremos. Com certeza na internet ou em livros alguns de vocês já viram frases de grandes homens que servem como inspiração para o nosso século como Aristóteles, Lincoln, Shakespeare e Pitágoras. Frases célebres e poemas, este é o novo conteúdo. Dessa vez vocês serão os autores. A formação das duplas de hoje ficará para o grupo de teatro, obviamente, e para também as minhas aulas até o final do ano. Quero que os parceiros se ajudem, mas cada um fará o próprio texto. Vocês apresentaram hoje ainda. Esqueci-me de algo...? Ah sim, os temas serão sorteados agora. - Gwen levantou e se encaminhou até a mesa da professora, assim como os outros alunos, onde ela pegou dois papéis dobrados e entregou-me um.
- O que é isso?
- Seu tema. Eu irei falar sobre a raiva. - Ela disse com uma careta no rosto assim que leu o que estava escrito no papel. - Qual é o seu?
- Hm... Falarei sobre o amor.
- Sorte a sua. Você precisa de ajuda? Assim, eu acho que você sabe formular uma boa frase célebre, apenas não quer. Vejo isso em você. Suas frases aqui na aula são vazias, mas percebo em seu olhar que você quer falar mais, só que tem medo. Não tenha. A maior prisão em que as pessoas vivem, é o medo do que as outras pessoas pensam. Seja livre.
- Parece tudo mais fácil para você. - Comentei.
- Parece, mas pode ter certeza que não é. - Ela abaixou os olhos para não me encarar e, naquela expressão angustiada, percebi que talvez a vida de Gwen seja mais difícil e complicada do que realmente parece ser. Revendo todos os insultos que já direcionei a ela sinto um aperto no peito, fazendo-me pensar que fui a pior pessoa do mundo para ela. Não aguentando mais olhá-la, que me pareceu tão frágil no momento, resolvi mudar de assunto:
- Como sabe que minhas frases são tão vazias assim? Quer dizer, eu sempre pensei que ninguém prestava atenção nas minhas palavras durante a aula de literatura e você é a última pessoa que imaginei ouvir minhas frases.
- Mas eu presto atenção em você. Não! Quer dizer... É... - Ela começou a corar e parecia, pela primeira vez, estar perdida nas palavras, sem conseguir formular um argumento. - Eu quis dizer que presto atenção na aula de literatura e consequentemente em suas falas durante ela. - Ela mordeu os lábios de forma nervosa, movimento que prendeu meu olhar em sua boca rosada. Merda Liam, nada de pensamentos impuros agora, cara. Essa garota quer te deixar louco. - Então, já tem ideia do que escrever?
- Escrever o que?
- Seu texto. - Ela riu. - Você terá que apresentar daqui a 20 minutos. Mas lembre-se, tem que vir daqui. - Gwen colocou a mão levemente pressionada sobre meu peito, bem acima do meu coração. Espero que ela não ouça, mas este pulsa muito rápido no momento. - Não importa o que você escrever, se for verdadeiro e vir do coração, será perfeito. - Ela corou e tirou a mão do meu tórax, virando-se para frente. - Agora escreva. - Sorri e peguei uma caneta. Já sabia o que fazer..................................***...............................
- Prontos? Vamos começar, e eu vou escolher quem vai começar. - Senhora Kaspers deu um sorriso maldoso. - Lori, minha flor, leia o seu texto para nós, por favor? O seu tema era: Felicidade. - Lori se levantou, sorriu, e mandou um olhar de superioridade para Gwen.
- Faça o que for necessário para ser feliz, mas não se esqueça de que a felicidade é um sentimento simples, você não pode encontra-la e deixa-la ir por não perceber sua simplicidade. - Pela primeira vez Lori falou alguma coisa descente nessa aula. Olhei para o lado e percebi que Gwen estava fuzilando-a enquanto passava as páginas de seu caderno com rapidez, até a última folha que estava toda cheia de anotações. Olhando bem, percebi que bem no meio estava escrito com uma caligrafia cuidadosa e infantil exatamente a mesma frase que Lori acabou de proferir.
- Você deveria avisar à senhora Kaspers. - Sussurrei para Gwen, que se assustou por eu estar observando-a.
- Não tudo bem. Deixe-a. - Ela suspirou. - Isso já não é nenhuma novidade.
- Maravilhoso! Edward, querido, sua vez. - Continuou a professora. Ed fez careta. Ele odeia que o chamem pelo nome, ainda mais este acompanhado de 'querido'. - Se não me engano seu tema era ganância. - Senhora K revirou os olhos quando Ed deu um sorriso sacana.
- Minha frase é acompanhada de pura lógica: Para encontrar uma mulher você precisa de tempo e dinheiro. Então, Mulher = tempo x dinheiro. Mas tempo é dinheiro, por isso, Mulher = dinheiro ao quadrado. Mas dizem que o dinheiro é a raiz de todos os nossos problemas. Concluímos então, a partir da mais pura lógica matemática que: Mulher = problemas. - Ele terminou fazendo reverências para a sala como os maestros de orquestras e com um sorriso idiota. A professora franziu os lábios em um sinal claro de desgosto e suspirou, mandando um próximo aluno. Depois de uma turma inteira já apresentada a professora se dirigiu a mim, desanimada:
- Liam, por favor. Tema: amor.
-N-não... - Parei e respirei. É mais difícil do que pensava. Olhei pelo canto do olho para Gwen, que mandava um sorriso de incentivo para mim. - Não sou nada especial; disso estou certo. Sou um homem comum, com pensamentos comuns e vivo uma vida comum, não há monumentos dedicados a mim e meu nome em breve será esquecido, mas amo e amarei outra pessoa com toda a minha alma e, para mim, isso sempre bastará.
- Parabéns, querido. Está muito bom, muito bom. Ficou uma maravilha! - Senhora K disse histericamente animada. - Fechou com chave de ouro, Liam. Mas ainda falta Gwen. Você poderia dar o exemplo ao resto da sala, assim como Liam, Gwen? Sobre a raiva. - Gwen mandou discretamente uma piscada de cumplicidade para mim antes de se levantar, e intendi a ação como um mudo parabéns. Agora posso realmente me orgulhar. Ela gostou de um texto exclusivamente dedicado à... Ela mesma.
- Tudo bem. - Gwen tinha o caderno em mãos, mas nem o olhava. - A raiva é um veneno. Devora-te por dentro. Pensamos que o ódio uma arma que ataca a pessoa que nos fez mal. Mas o ódio é uma lâmina curva. E o mal que infligimos, infligimos a nós mesmos. - Assim que terminou, ela sentou-se. Gwen nunca gostou de ser o centro das atenções. Senhora Kaspers tinha os olhos brilhando. Não é para menos. Em todas as aulas que apresentamos, Gwen sempre nos surpreende.
- Maravilhoso! Meus queridos, vocês estão liberados.
- Liam, na minha casa, sábado. Ensaiaremos nosso trecho para a aula de teatro. Já peguei o tema. - Ela falou rápido enquanto, literalmente, jogava seus pertences dentro de sua bolsa.
- Espere, eu não sei onde mora.
- Vá à casa de Lori, às três da tarde, em ponto. O encontrarei lá. Não se atrase. - Ela saiu sem deixar-me tempo para responder. Casa da Lori? No mínimo estranho. Olhei para cima de sua carteira e vi seu caderno, o mesmo caderno em que estava a frase que Lori apresentou nesta última aula. Corri para fora da escola com o caderno de Gwen para devolvê-la, mas já era tarde. Ela já tinha entrado no carro. De novo aquela Bugatti branca. Quem a dirige?
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Complicated Love
RomanceUm rostinho bonito, uma inteligência inexplicável e um sofrimento interno, era isso que definia Gwen, era isso que a tornava diferente de todos os outros adolescentes de sua idade. Quando ela menos espera, o destino lhe prega mais uma peça, afinal a...