Em casa, naqueles momentos de solidão, comecei a preparar os estudos do Cauê.
Era o máximo poder ensinar alguém a ler e a escrever.
Eu fiz várias letras para que ele pudesse contornar, e escrever do lado.
Imaginei o Cauê lendo histórias para mim, para Anahi e para o vovô.
Aquele pedaço de chão em que vivíamos precisava de alguém para nos contar histórias e alegrar a noite.
Fiz diversas atividades unindo imagens com palavras, letras e até mesmo números, pois eu acredito muito no desenvolvimento do Cauê daqui pra frente.
Já era por volta das 21:00 e o vovô Nilo não chegava, comecei a pensar o pior, pois não conseguia imaginar o Ernesto cuidando tão bem do vovô, ele não era muito do tipo de se importar.
Esperei bastante até que o Ernesto telefonou:
- Amanda, boa noite, gostaria de ti informar que papai vai passar dois dias aqui comigo na cidade.
A empresa de tecidos agora tem um novo gerente para me ajudar no funcionamento da fábrica, então estou tirando uns dias para descansar e eu gostaria de levar papai pra escolher algumas roupas novas e alguns sapatos.
- Tudo bem Ernesto, fico tão feliz que você tenha tomado essa atitude!
- Sim é claro! Tenha uma boa noite.
Ficar longe do vovô esses dois dias não seria uma tarefa fácil, o que eu vou fazer aqui na enseada sozinha, sem nenhum amigo para conversar comigo?
Eu não poderia esperar muito do Cauê e nem da Anahi, porque eles devem estar um pouco cansados de tanto me ouvir pedir ajuda.
Bom, as vezes eu esqueço que Deus está aqui mesmo, nesta sala vazia, me observando, contemplando cada passo que eu dou e cada atitude que estou tomando, e eu espero de coração que eu esteja no centro de sua vontade.
Então querido Deus,
Nessa noite estrelada e maravilhosa, contemplando a tua Criação, sabendo que Tu És o meu Deus tão imenso e soberano.
Venho ti agradecer, por tudo o que venho conquistando e por cada chave certa que venho encontrando para abrir o coração do meu velho.
Ti peço agora pelo Cauê, que o Senhor venha confortar tanto a ele como a Anahi.
Pois mesmo que os tempos passem, nunca será fácil superar a perda daqueles a quem tanto amamos.
Eu ti amo muito
Amém.Sábado, 24 de Janeiro de 1970
Acordei bastante disposta, limpei a casa, terminei de cultivar os pés de temperos do vovô, aguei as plantinhas e assim estava pronta para aproveitar o final de semana.
Como ainda era bastante cedo, corri para enseada para aproveitar o sol.
Levei a toalhinha de praia, e a minha revista de moda favorita.
O dia estava esplendoroso!
Cantei algumas canções para Deus enquanto observava a imensidão das montanhas.
Elevo os meus olhos para os montes, de onde me virá o socorro? O meu Socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra!
Cauê estava lançando a rede para pegar alguns peixes, mas correu na minha direção quando me viu.
Confesso que fiquei um pouco assustada ao ver um homem daquele tamanho correndo como se fosse uma criança.
Depois do meu pensamento de que ele estava cansado de mim, retiro o que pensei.
Ele vinha com um sorriso enorme de canto a canto, e eu já sabia qual ia ser a primeira pergunta:
- Oi Amanda, bom dia! Hoje você poderá ir a minha casa?
-Cauê, infelizmente hoje não poderei.
Pois estarei indo ver a minha mãe na cidade. Se você quiser posso ti ensinar na segunda em diante, o que me diz?
- Caramba, então você vai a cidade? Faz muito tempo que não visito a cidade, posso ir com você? E tudo bem se eu levar a Anahi junto?
Aquela foi uma situação um tanto embaraçosa, pois eu estava pensando em dormir na casa da mamãe e retornar pela manhã cedo.
Mas fui movida por compaixão ao vê-lo tão animado em ir a cidade que cedi espaço no carro.
O fusca do vovô era bastante gasto, mas ele funcionava perfeitamente.
A cidade ficava a duas horas do povoado, então deveria dar diversas pausas durante o percurso para que o carro aguentasse o tranco.
Logo que cheguei a casa de Cauê para leva-lo com a Anahi, vi os dois saindo com duas sacolas de feira e bastante peixes dentro delas, outra sacola com alguns lençóis e o Cauê usava um cinto um tanto diferente feito a mão usando palhas, ali tinha diversos tipos de bugigangas: Tesoura, faca, algo que parecia ser um repelente.
Me questionei se isso seria realmente necessário e ele assegurou que sim, afirmando que nunca se sabe quando iríamos precisar de alguns daqueles objetos.
Diante de tantos apetrechos, eu disse que não seria necessário tanta segurança, pois era apenas uma férias na cidade, aliás, uma férias de um dia, e que eles deveriam se preocupar apenas em se divertirem, já que a muito tempo eles não viajavam para a cidade, mas eles disseram que não tinha melhor forma de pagar pela viagem, do que oferecendo a pesca do dia.
Neguei mais umas mil vezes, pois eu sabia o quanto lhes custara ter pescado tudo aquilo.
Mas ele não se conformou, disse que tudo aquilo era meu sim, e que daria um bom almoço para todos da família.
Chegando a cidade, os olhos de Cauê e Anahi estavam quase saltando pela janela do carro.
Anahi mencionou diversas vezes sobre o quanto ela amava sorvete e parques, já o Cauê dizia sentir falta das padarias.
Eu achei tudo aquilo muito fofo, e longe da minha realidade.
Conviver em um povoado estava sendo muito interessante para mim.
Encontrar pessoas que passaram tanto tempo em contato com a natureza, me fazia contemplar a mais pura simplicidade da vida.
Eu estava tão saltitante quanto eles em vê-los tão alegres com aquela viagem.
Assim que chegamos a casa dos meus pais, Cauê me perguntou se eu gostaria de deixa-los esperando na praça até a hora de partir.
Mas obviamente que eu não faria isso com eles, aqui na cidade eles seriam os meus convidados de honra!
Apresentei eles a minha mãe e a Matilda;
Mamãe sorriu, feliz por ter encontrado amizades no povoado.
Já Matilda meneou a cabeça incrédula por eu ter me adaptado com eles.
Contudo, naquele momento eu transbordava de tanta felicidade.
Anahi se convidou para preparar o almoço típico do povoado, e a mamãe ficou feliz pela gentileza.
Matilda ficou com muita inveja da cozinha, e hora ou outra fingia estar indo na cozinha apenas para beber água.
Até que o almoço foi servido.
O cardápio era: Peixe assado com molho de laranja, arroz e salada tropical.
Nós todos amamos e até a Matilda entrou na conversa. Pouco tempo depois as duas já haviam se tornado melhores amigas.
O clima era de total paz, até que meu pai, Seu Sebastião, entrou muito furioso dentro de casa e não acostumado com visitas, começou a expulsar os convidados.
Cauê e sua irmã pareciam não entender aquele gesto tão desnecessário e começaram a retrucar da mesma forma em que ele estava agindo.
Eu tentei explicar ao meu pai que eram amigos do povoado, mas ele nem sequer me deixou falar.
Nos expulsou e trancou a porta.
Se fosse em outros momentos, eu estaria sofrendo muito, pelo fato de ser o meu pai e por estar agindo dessa forma.
Mas naquele momento, a paz de Deus inundou a minha vida, e eu disse aos meninos que não se preocupassem, pois tinha um lugar maravilhoso para irmos.
Na verdade era um simples hotel próximo a minha casa.
Mas que tinha uma enorme piscina, e isso seria a alegria da nossa tarde.
Liguei para a Matilda e para a mamãe, convidando elas a passarem a tarde conosco nessa diversão.
E assim foi feito, não ficamos juntos do papai, embora eu quisesse muito, mas aproveitamos da melhor forma possível.
Fomos a piscina, ao parque, tomamos um sorvete e assim fizemos a nossa festa, do nosso modo.
Por volta das 15:00 horas tivemos que partir, pois as pausas na estradas deveriam ser frequentes e se caso anoitecesse o percurso ficaria perigoso para todos nós.
Nos despedimos, nos abraçamos e a minha mãe prestou desculpas aos meninos pelo que aconteceu.
Mas eles não se importaram tanto com aquela atitude, pois toda diversão da tarde havia compensado a viagem.
Saindo da cidade, a estrada começou a ficar bastante escura e a luz do fusca não conseguia ser o suficiente para aquela estrada cheia de curvas.
Cauê estava seguro de que deveríamos parar e acampar ao invés de prosseguir,
Me explicou o quanto ele entendia do assunto e que poderia nos proteger caso algo acontecesse.
Eu poderia dizer que estava apressada e que não pensava nenhum pouco em parar por ali, mas ver que mesmo diante desta enorme aventura o Cauê se divertia, decidi dar a ele uma chance de aproveitar o restante da noite.
Eu sabia muito bem que o vovô estava em boas mãos e não adiantava ficar sozinha em casa.
Então era o momento perfeito para um acampamento!
Paramos em um pasto verde;
A escuridão era tanta que eu não conseguia ver nem mesmo os meus próprios pés.
- Viu Amanda como eu penso?? Agora o meu cinto de bugigangas vai servir.
- Cauê, o que eu seria sem você por perto?
Naqueles dias, o Cauê tem sido imprescindível para mim, a forma de se importar, o jeito de me ensinar a sobreviver, tudo tem sido muito importante, ainda mais quando ele apareceu diante de mim com o relicário da vovó.
Ele retirou do cinto uma lanterna enorme que iluminou bastante ao nosso redor, e pediu que ficássemos perto dele e não se afastasse.
Começou a chover, e se tornou inviável procurar abrigo em meio ao pasto, então decidimos dormir dentro do carro.
Para garantir a nossa segurança, o Cauê permaneceu com a lanterna ligada dentro do carro, nos abrigamos cada um em seu banco, e assim logo os meninos dormiram, não sei mesmo como o Cauê conseguiu, pois o fusca parecia pequeno, comparado ao tamanho dele. Bom. Eu não estava acostumada em ficar em locais escuros, foi difícil descansar.
Em meio ao barulhinho da chuva, fui inundada por diversas lembranças do Cauê.
A primeira vez que o vi, como ele era diferente. Aquela pele bronzeada, os olhos apertados, os braços fortes de um jovem trabalhador, o jeito carinhoso de me tratar.
Porque eu estava me encantando com o Cauê?
Isso seria mesmo o correto?
Talvez eu estivesse me privando muito da felicidade de encontrar alguém para me fazer feliz.
Outro pensamento invadiu a minha mente, o que me fez recuar sobre essa idéia.
HELIONE
Me encheu muito o saco enquanto estive na cidade para que encontrasse alguém pelo menos para ficar.
Mas não é o correto para se fazer!
Na época da Universidade, Helione começou a trocar de namorados, como se fosse roupas.
- Vamos Amanda deixa de bobagem! A vida que temos é apenas uma, se você ficar esperando vai ficar pra titia!
- Não importa Helione, me deixa em paz!
Lembro-me de uma tarde na Universidade.
Eu tinha saído para buscar algo para beslicar e quando retornei, havia um rapaz me esperando na porta da sala.
Logo pensei:
- Ué?
O rapaz disse que havia um bilhete dentro da bolsa dele, dizendo que eu estava interessada por ele há algum tempo, só nunca tive coragem de dizer, mas que queria muito beija-lo.
Aquele foi o momento mais constrangedor da minha existência!
Eu disse ao rapaz que deve ter ocorrido algum engano e que obviamente não fui eu quem escrevi algo daquele tipo.
Mas o rapaz continuou pensando que eu estava brincando, e disse que aceitava sim um beijo meu.
Então eu pedi que ele esperasse na porta e entrei para a sala, e lá estava Helione, de cabeça encostada na parede rindo do acontecimento.
Fiquei bastante irritada e fiz com que ela saísse imediatamente da sala para dizer ao rapaz que aquilo tinha sido uma brincadeira.
Mas a Helione foi e sumiu com o rapaz também.
Talvez eu fosse a única metida a santa daquela universidade e eu fiz muito bem!
Ainda que fosse a garota mais velha da casa, cresci para viver os princípios bíblicos e era isso que eu precisava fazer.
Encontrar apenas uma pessoa que me fizesse valer a pena tudo o que eu queria viver, com os mesmos ideais, e assim então, eu pensaria seriamente em me casar.
O Cauê vinha de uma cultura diferente da minha, ainda não cheguei a conhecer, mas gostaria de entender, o que ele pensa sobre Deus, naquele pedacinho de chão cercado por mares.
Um vescículo veio a minha mente."Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis." Romanos 1:20
O poder de Deus era imenso demais, e sendo assim, não importava o tamanho da terra, a quantidade de pessoas e nem muito menos os mares.
Deus já se revelou para o Cauê!
Eu precisava conversar mais com ele sobre isso.
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UM PEQUENO LUGAR PARA AMAR
RomansaEsta é uma história envolvente de harmonia, simplicidade e muito amor, de uma garota chamada Amanda e o seu avô Nilo, que juntos aprenderam o sentido de amar e ser feliz, mesmo tendo muito pouco para viver, mas este era o caminho!