Verônica estava diante de seu computador, a testa repousando na mão que descansava sobre a mesa. Por mais que o monitor estivesse ligado, a escrivã não via nada: estava cochilando, sem controle sobre o sono que se alastrou com tudo em seu corpo.
— O que tá pegando? – Era a voz de Nelson, chegando na sua mesa, assustando Verônica e a acordando de supetão.
— Pelo amor de Deus, Nelson. – Reclamou ela, o coração palpitando – Não chega desse jeito.
— Pera aí, você tava dormindo? – O homem riu – Que novidade é essa?
— A Anita, né? – Bufou Verônica, esfregando os olhos – Quem mais seria fonte dos meus problemas?
— Putz, tá ruim assim? – Ele fez uma careta, se sentando – O que ela fez agora?
— Você acredita que ela me tirou da cama de cinco da manhã pra vir pra cá? – Verônica afundou a cabeça nas mãos, frustradas – E pra nada, pra fazer uma besteira tão grande.
— Pô, aí é foda. E como foi só vocês duas aqui sozinhas tão cedo?
Verônica olhou para Nelson, mas sem enxerga-lo de verdade - automaticamente, sua cabeça se encheu da última visão que gostaria de ter naquele momento: Anita, apenas de sutiã, limpando sua barriga com um lenço. Verônica engoliu em seco, imediatamente sentindo o estômago dar cambalhotas. Esse, definitivamente, não deveria ser o pensamento em sua cabeça agora - não quando a deixava nervosa desse jeito.
— Foi... – Começou Verônica, pigarreando – Foi, é... Foi normal. Você me passa essa pasta, por favor?
Nelson franziu o cenho, mas não questionou e fez o que lhe foi pedido. A escrivã pegou a pasta e afundou o rosto no arquivo com tanta avidez que parecia poder morrer se desviasse o olhar.
— Tá bom. Mas me diz, como é que é esse caso?
Verônica, extremamente grata pela mudança de assunto e por poder focar em alto que não lhe tirasse completamente do eixo, passou a explicar para Nelson a investigação e suas teorias, contrastando com as teorias de Anita. Seu raciocínio foi interrompido pela voz da delegada, que se aproximou da mesa.
— Vida boa, hein, escrivã? – Ela abriu um sorriso sarcástico – Te dei pouco trabalho, foi?
Verônica tomou um segundo para respirar fundo, procurando se controlar para não levantar e enforcar Anita ali mesmo. Ao invés disso, suspirou e se virou para a delegada, com o sorriso mais cínico e falso do mundo.
— Posso ajudar, doutora?
— Se ajeita aí, pega suas coisas, porque nós duas vamos atrás de uma pista que surgiu aqui. – Disse Anita, sem dar tempo para que Verônica respondesse, se direcionando para a saída da delegacia de maneira imediata. A escrivã só teve tempo de piscar duas vezes, trocar um olhar confuso com Nelson, pegar sua bolsa e segui-la.
Anita não disse para onde iriam, apenas colocou a escrivã no banco de passageiro de seu carro e começou a dirigir. Verônica não queria admitir, ou sequer reconhecer para si mesma, mas estava extremamente nervosa em estar sozinha com Anita de novo depois do que aconteceu pela manhã. A imagem do que acontecera mais cedo - e o efeito que ela tinha sobre Verônica - ainda estava muito recente na mente da escrivã.
O silêncio entre as duas, que sempre fora o mais confortável possível em que elas poderiam se sentir por não terem que ouvir a voz uma da outra, agora parecia adicionar um peso desconhecido e desnecessário para os ombros de Verônica. Era como se, ao não se falarem e não ocuparem o espaço com sons, esse espaço se abrisse para ser ocupado pelo desconforto e nervosismo da escrivã - um espaço apenas para encher sua cabeça com a visão de Anita, seminua, na sua frente, sozinha, no meio do escritório.
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Fogo
RomanceE se a organização criminosa de Matias, Brandão e Dóum não existisse? E se a vida de Verônica e Anita fosse apenas trabalharem juntas na delegacia, se odiando eternamente, mas tendo que conviver juntas? E, ainda, se elas tivessem que trabalhar em um...