Dix

357 36 78
                                    

RainbowTU: E eis que chegou ele, o último capítulo! Enjoy! :B

─────────────⚖─────────────

_ 2022 _

Entrava ano, saía ano, mas Seokjin ainda não tinha conseguido se acostumar com o silêncio dentro de casa, com a falta de urgência, com a tranquilidade de uma rotina domiciliar. A calmaria, para ele, ainda era um bicho de sete cabeças com o qual era dificílimo lidar. Tudo o que sempre fez em sua vida tinha sido trabalhar, prover, se ocupar. Agora que não podia mais gastar a maior parte do tempo com isso, sentir-se um estranho no próprio corpo era uma sensação comum. 

Pela manhã, ao acordar, costumava ser o momento em que mais lhe pesava tal situação. Depois do que tinha lhe acontecido, o processo de despertar tinha mudado de ritmo, e isso lhe permitia passar vários minutos pensando na própria vida, nas decisões que tinha tomado e em como elas o conduziram até ali. Algumas delas foram bastante equivocadas, reconhecia, mas também tinha certeza de que não modificaria nenhuma. Tinha sido o conjunto delas que o tinham levado a ser quem era, a chegar no patamar que atingira. Qualquer mudança, se possível, poderia acarretar numa direção que lhe faria extremamente infeliz. Não havia pessoa em sã consciência que tentaria trocar o certo pelo duvidoso — pelo menos, achava que não, muito embora os conceitos de "certo" e "duvidoso" pudessem variar para cada um.

Aquela manhã não tinha se iniciado de maneira diferente. Seokjin abriu os olhos devagar, sozinho na imensa cama. Inspirou e expirou devagar algumas vezes, sem pressa, como a médica o tinha orientado a fazer. Achava aquilo um exagero, mas se não obedecesse, era capaz que alguém lhe comesse o fígado no jantar, e Seokjin não queria despertar a ira de ninguém, ainda mais na época das festas de fim de ano. O mês de dezembro era um dos poucos em que conseguiam reunir a família inteira, e Seokjin não queria ser o elemento que traria discórdia e desarmonia para o lugar. Já não tinha mais idade para bancar o revoltado; bastava-lhe ser a mula teimosa que sempre foi, numa proporção ainda maior. Podia se controlar para permitir que a reunião familiar acontecesse na mais poderosa paz.

Sentou-se lentamente no colchão, com alguma dificuldade por conta da paralisação parcial que ainda acometia o lado esquerdo de seu corpo. O acidente vascular cerebral por excesso de trabalho tinha deixado uma porção de sequelas, mas a maioria esmagadora delas já tinham sido superadas. Restava apenas abater a perna e o braço semirrígidos para que pudesse ser considerado um caso de sucesso total na medicina. Aquela parte, porém, ainda estava oferecendo resistência, e às vezes Seokjin achava que não teria como a vencer. Mesmo assim, fazia todos os dias o que precisava ser feito, porque a esperança era a última a morrer. Se seu corpo voltasse a ficar cem por cento funcional como era antes, seria mais fácil pleitear mais horas de trabalho presencial na empresa. Com a situação do jeito que estava, tinha que se contentar em exercer funções de consultoria à distância, e não se achava tão produtivo assim. Era melhor que nada, por certo, porém lhe fazia falta o barulho de pessoas falando, o som dos passos para lá e para cá, os telefonemas, os encontros físicos e virtuais... Era muito diferente dos seus tempos mais exaustivos na companhia, mas ainda assim podia arrancar dos e-mails silenciosos e das telas em 4k alguma emoção. Em casa, sob supervisão constante para não se exceder em seu horário, vivia um verdadeiro marasmo. Se ainda se esforçava para cumprir as determinações médicas, era pelo direito de regressar ao seu período áureo como CEO. Não que falasse isso em voz alta. Apesar de desconfiar que todos sabiam suas reais intenções, guardava-as para si.

Certas coisas nunca mudavam.

Esticou o braço direito até alcançar a bengala, esculpida especialmente para ele, e se apoiando nela foi para o banheiro, indo para a sala de refeições em seguida. A falta de pessoas preenchendo o interior de Paradis fazia a casa parecer ainda maior, o que lhe causava uma nostalgia triste, mas estranhamente gostosa. Não tinha mais mademoiselle Beaufort, e Le Blanc quase não se mostrava presente. A despeito do vazio que isso podia causar, Seokjin não tinha a menor vontade de se desfazer do chateau. Muitas das coisas mais bonitas de sua vida tinham acontecido enquanto morava ali, e a memória, no presente, era sua maior aliada. Gostava de transitar pelos cômodos e corredores da casa que o abrigou por tantos anos, mesmo que não pudesse mais escutar os gritos das crianças ou o barulho do pequeno salto de Beaufort caminhando por ali. Estar naquele espaço tinha certa magia, pela qual gostava de se deixar abraçar.

ParadisOnde histórias criam vida. Descubra agora