02 - VIAGEM

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No volante estou eu. No banco do passageiro está Dona Fairte. Ela fez questão de me acompanhar na primeira sessão de hipnoterapia.

Estou muito nervosa. Sei que não deveria porque são minhas próprias lembranças e, possivelmente, lembranças com Simone. Entretanto, o subconsciente pode guardar milhares de informações. Faz parte da mim, só não está ativamente na minha percepção.

Fairte aperta minha coxa, semelhante ao toque da Si. A diferença é que com Fairte eu posso ligar o ar, ela não se sente tão friolenta quanto Simone.

— Está tão tensa filha. Por quê?

— Estou nervosa Fairte. Não sei como explicar, mas estou com medo do meu próprio pensamento, entende?

— Ah Soso, não fique ansiosa. Qualquer coisa que você precisar pode contar comigo, sabe disso não é?

— Eu sei Dona Fairte, eu te adoro tanto por isso. Acho que me sinto até mais confortável de vir com você. Mamãe sempre é tão preocupada. Me sinto mais doente do que já estou.

— Você não tá doente filha, isso vai passar, eu prometo.

Senti Fairte se emocionar ao meu lado. Quando o sinal fechou dei um beijinho na sua bochecha, com o objetivo de dizer "obrigada, eu adoro você" sem utilizar as palavras.

~ ~ ~ ~ ~

Me encontro sentada na sala da Dra Amanda. Fairte ficou na recepção me esperando.

O cômodo tem um sofá de estofado bege, os móveis em madeira avermelhada, com um jarro de flor decoração a sala. Dra Amanda está sentada ao meu lado, tocando em meu joelho.

— Srta Thronicke, a Hipnose terapêutica é um estado de foco, imaginação, concentração e relaxamento. É super tranquilo, por dia você entra 80, 90 vezes em estado de hipnose: quando lê um livro, quando vê um filme, ou seja, é natural. Não tem nada relacionado com sair do corpo, contar segredos, virar zumbi, não é isso.

— Mas eu não vou ter controle sobre mim, vou estar dormindo - retruco, ainda receosa com o que estou prestes a fazer.

— Soraya, estar em hipnose não é perder a consciência, é jogar luz em cima das coisas. O seu subconsciente guarda detalhes que ele considera "inútil", pra que você não fique acessando o tempo inteiro. Mas aí é que está, pode ser que ele tenha guardado um trauma, uma dor.

— Posso ficar no sofá?

— Pode ficar a vontade. Eu não vou fazer quase nada, meu único trabalho aqui vai ser te guiar e te acompanhar. Então, o que você sente? O que tá te incomodando? - ela começou perguntando de maneira suave e confiante.

— Eu tive um acidente, pulei na água e bati a cabeça. Depois disso estou em um quadro de amnésia. Tudo que ocorreu naquele ano está vago na minha mente. Ademais, sinto dores de cabeça constantemente e nenhuma radiografia aponta a causa.

— Qual o diagnóstico dos médicos Soraya?

— Amnésia dissociativa. Um esquecimento pós traumático. Falam que talvez pelo nervosismo que sofri antes da pancada na cabeça, meu cérebro apagou as informações daquele período. Mas me afeta, me afeta porque as dores de cabeça que sinto não me deixam viver normalmente.

— Como você quer sua vida depois do tratamento?

— Quero lembrar. Quero não sentir dor. Me sentir normal

Você não percebeu - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora