A Temperança

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   Gustavo não sabe exatamente a quanto tempo está caminhando, quando escapou da cabana o sol estava alto a leste, era manhã próximo ao meio dia, ele seguiu para o norte, por detrás da cabana, agora o sol estava baixo a oeste, "fim de tarde ?".

                                                                                             *

   Os cachos escuros de Vitor caiam sobre a testa, sentado no sofá, lia um livro sobre como a floresta funcionava, em seu colo repousava a cabeça de Gustavo, ouvindo atentamente, essa sempre foi a relação dos dois, um futuro biólogo e um geólogo em formação. Às vezes Vitor ouvia tanto sobre minerais que se imaginava comendo feldspato no lugar do arroz, enquanto Gustavo começava a ver a floresta como um campo de guerra.

   — Então você quer dizer que as árvores são fofoqueiras e usam as hifas dos fungos pra falar mal dos herbívoros? — O tom petulante de Gustavo forçava a garganta de Vitor esbravejar uma gargalhada.

   — Não exatamente, mas gosto da sua interpretação. — Retrucou Vitor, no mesmo tom, enquanto fazia um biquinho.

   — Qual é a pior parte da floresta? Pros humanos. — Indagou Gustavo.

   — Pra nós?

   — É.

   — Nenhuma árvore é igual a outra, mesmo os clones apresentam uma forma muito diferente da original. Em uma floresta é fácil andar em círculos quando não se tem uma direção clara. É impossível memorizar a forma de cada uma, então não tem como saber por onde você já passou, a não ser que deixe marcas para simbolizar o caminho percorrido, mas nem sempre as pessoas se dão conta disso, o que torna a floresta um cemitério.

   — Nossa, mas você foi para um nível... — Gustavo não conseguiu terminar a frase, pelo menos não quando uma chuva de cócegas acertou sua barriga.

                                                                                             *

   Diferente de algumas horas atrás, as árvores ficaram mais espaçadas, era mais fácil caminhar sem precisar desviar de galhos e teias de aranha a todo momento, possivelmente está mais ao centro, precisava encontrar ajuda, mas nesse ponto possivelmente está longe de uma estrada e não sabe se ir para a beirada da floresta é seguro com um psicopata atrás dele, a fome fazia a barriga roncar a todo instante e a sede não ajudava, embora fosse frio, suava bastante, viu centenas de cogumelos diferentes mas não tinha certeza se eram comestíveis, Vitor saberia, entretanto ele não estava ali agora, "será que ele está bem?".

   Tirou o telefone do namorado do bolso, ainda sem sinal, mesmo nas redondezas da cabana era instável e praticamente impossível fazer ligações.

   Após caminhar por mais algumas horas, seus pés estavam em chamas, os calos nos dedos deixavam cada passo mais difícil, o terreno deixou de ser plano em algum momento, tornando-se bastante acidentado e inclinado, repleto de fendas que lembravam trincheiras, raízes saltavam da terra, um vale, com morros por todos os lados, dificultando ainda mais o percurso, porém os troncos ficaram mais finos em geral, um indicativo de estar em uma área mais jovem da floresta, ou seja, aquele terreno em algum momento foi tocado por mãos humanas, pode estar próximo de um vilarejo. Já faz um tempo que optou por descer a encosta, lá embaixo há barulho de água, um rio ou riacho, ainda não sabe, tem esperanças de que acompanhando a água encontrará civilização, mas com a noite se aproximando, sem ter o que beber ou comer não tem certeza de qual o próximo passo.

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