La Cena (The Dinner - Part 2)

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O relógio digital que tinha no pulso marcava 08:00. Usei a chave reserva que tinha ganhado anos atrás para abrir a porta de entrada, o ambiente estava escuro, uma bagunça completa de uma provável noite animada, era confuso e fácil de ignorar ao mesmo tempo. Ajeitei o buquê de rosas no braço, não sabia como flores podiam pesar tanto, e fechei a porta com cuidado para não fazer barulho. Caminhei em direção ao quarto, aos poucos conseguia ouvir o barulho abafado que vinha do cômodo, sabia que Déborah tinha passado a noite com um amigo, só me restou imaginar as coisas perversas que ela podia estar fazendo sozinha e desejei ver com meus próprios olhos. Abri a porta do quarto com cuidado e logo perdi o equilíbrio com o peso das rosas quando meus olhos avistaram o inimaginável. A professora da minha namorada, apenas de calça e sutiã, estava com os joelhos no chão e com o rosto entre as pernas dela, enquanto ela se contorcia, desprovida de todas as vestimentas, sentada na beira da cama.

– Soraya!– Gritei e joguei o buquê no chão. Ambas mulheres se afastaram com o susto e me olharam espantadas como se eu fosse um fantasma.
– César...– Soraya se cobriu com o lençol da cama. – Meu amor, eu posso explicar.– Levantou da cama e correu em minha direção.
– Que nojo de você. Não encosta em mim.– Empurrei ela com ambas as mãos, mas ela se manteve em pé.

A professora apanhou sua camisa e saiu em silêncio, passou pela porta e se retirou do apartamento sem dizer absolutamente nada.

Caminhei em direção à sala e me sentei no sofá, arrastava as mãos na cabeça tentando tirar a imagem delas da minha mente. Soraya apareceu pouco depois, estava vestida e com o rosto molhado das lágrimas incensáveis.
– Me perdoa, César, por favor!– Ela se jogou de joelhos no chão.
– Como isso é possível, Soraya? Desde quando você é gay? – Estava furioso, nada daquilo fazia o menor sentido.
– Só me escuta, tá bom?– Ela tentou segurar meu rosto com ambas as mãos e foi impedida por mim. – As coisas estavam confusas para mim, nossa relação estava difícil e...– Acabei interrompendo.
– Você é infeliz comigo?– Me levantei e comecei a andar pelo apartamento, não estava conseguindo olhar ela nos olhos.
– Não! Eu sou completamente feliz com você. – Ela me seguia como uma criança perdida, estava deslocada e sem saber como agir.

Tomei um tempo para respirar, caminhei até a janela e percebi que Simone ainda estava ali, encostada em seu carro e mexendo no celular.

– Tudo bem. – Mudei o tom da minha voz. – Então casa comigo, Soraya.– Não fiz um pedido, dei um ultimato.
– Tá bom. Se você me perdoar, me caso com você agora mesmo.– Ela abraçou meu corpo e eu fiquei ali parado.
– Você tem que descer agora e dizer que nunca mais vai trocar uma palavra com ela. Diz que agora você vai ser a minha esposa. Diz que não é lésbica, só estava passando por uma instabilidade emocional e não sabia o que estava fazendo. Faz agora e eu te perdoo.– Afastei seu corpo e mantive minha atenção na janela.

x SORAYA x

Não sei como consegui descer as escadas com tanta rapidez, já estava no térreo e sai do prédio atrás da morena.

– Simone. – Gritei ofegante e ela me recebeu nos braços.
– Tudo bem? O que aconteceu?– Ela estava curiosa.
– Você precisa ir embora.– Soltei meus braços de suas mãos.
– Tudo bem, eu já estava indo mesmo. Fiquei aqui caso precisasse de mim, ele parecia bravo e...– Acabei interrompendo, ela não estava entendendo corretamente.
– Não, Simone, você precisa ir embora de vez.– A frase teve o impacto de uma única faca atravessando nossos corpos ao mesmo tempo.
–Soraya, não importa o que ele disse, você sabe o que sente.– Ela acariciou meu rosto e eu fechei os olhos para memorizar o toque de sua mão. Usei a destra para encerrar o carinho e comecei a chorar tudo de novo. Não estava certo, nada daquilo era justo comigo.
– Eu não sei o que eu faço, Simone. Eu estou sozinha nessa, eu nunca vou encontrar alguém que cuide de mim como ele cuida e eu tenho tanto medo da solidão. – Apertei a barriga com ambos os braços, na intenção de amenizar a sensação horrível de vazio dentro de mim.
– Você não está sozinha.– Ela tentou me tocar, mas desistiu no meio do percurso.
– Não?– Retomei a postura. – Você vai viver comigo? Vai abrir mão da sua vida, sua rotina e do seu trabalho por mim?– Limpei as lágrimas que escorriam em meu rosto sem pausa e olhei fixamente em seus olhos. Simone não respondeu nada e foi o silêncio mais ensurdecedor da minha vida.
– Foi o que eu pensei.– Revirei os olhos e balancei a cabeça em negação.
– Desculpa.– Ela sussurrou e entrou em seu carro. Ela foi embora e me deixou ali sozinha, provando que eu estava certa.

Precisei tentar me recuperar antes de voltar para o meu apartamento, tomei coragem e entrei, avistando César parado no mesmo lugar como quem tinha assistido tudo de camarote.
– Está feito.– Me sentia fraca e perdida.
– Ótimo.– Ele se afastou e caminhou para perto de mim.
– Fica comigo, por favor.– Abracei seu corpo e apoiei a cabeça em seu peito. Eu precisava saber que tinha um sustento, porque estava prestes a desmoronar.
– Eu não consigo, Soraya, não dá.– Ele outra vez me afastou. – Ainda me sinto enojado.– Se preparou para sair do apartamento. – Eu volto para discutirmos sobre o casamento. – César partiu.

Ele não foi o meu sustento, então eu caí.

Jogada no chão da cozinha, no silêncio da minha própria casa, percebi que eu fui do céu ao inferno em poucas horas. Eu estava sozinha e gritei como alguém que estava sendo agredida, tudo estava doendo. Na noite anterior eu tinha tudo e de manhã não tinha mais nada.

Depois daquele dia, não voltei a ver Simone outra vez.

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