O Frio de Port Angeles estava insuportável, coloquei meus dedos congelados e errigecidos nos bolsos do meu casaco grosso branco quando sai de casa em direção a cafeteria mais próxima, o vento bagunçava meus cabelos loiros compridos e minhas bochechas brancas agora estavam vermelhas. "Detesto o frio, não consigo me aquecer de jeito algum e tudo parece perder o ânimo" . Andava pelas ruas observando algumas pessoas, dois bêbados brigando logo pela manhã daquele sábado, uma mãe discutindo com o filho mais a frente e dois motoristas quase saindo aos tapas por uma bobagem qualquer, as vezes me sinto aliviada por ser só eu e minha gata naquele apartamento minúsculo.
Ao chegar a cafeteria me sentei na mesma mesa de sempre como de costume, o vidro a minha esquerda mostrava a rua toda e a luz que iluminava a mesa era reconfortante, pedi meu cappuccino médio e umas torradas.
- Aqui está Hope.
Disse a Senhora Lewis a proprietária da cafeteria que eu frequentava todos os finais de semana, apesar de ser uma senhora ela mantinha o local praticamente sozinha com a ajuda de três funcionários, Sarah dos cabelos cacheados e voz doce, Antony o novato meio desastrado e Jason o melhor em empilhar copos descartáveis. Os cabelos da senhora Lewis lembravam um algodão doce e sua voz era quase falha, uma senhorinha muito simpática mas também fofoqueira.
- Obrigada Senhora Lewis.
Agradeci.
- Quantas vezes vou ter que lhe dizer para me chamar de vovó ein mocinha ?
Ela sorriu e se sentou comigo a mesa.
- Está bem, vovó. Já decidiu se vai participar da feira anual no parque? Ouvi dizer que esse ano terá uma competição de tortas.
Mordisquei minha torrada e vi os olhos dela brilharem em pura empolgação, já era mais que o suficiente para eu entender que ela iria, conversamos um pouco sobre as ideias dela para a feira e pude notar que a cada nova era um faíscar diferente, eu amava nela essa capacidade de me fazer se sentir empolgada com algo que eu nem estava tão afim assim de falar sobre.
- Hope querida, posso te pedir um favor?
Ela gentilmente segurou minhas mãos.
- Claro vovó!
- Vá comigo a feira, seja minha ajudante lá.
Era impossível negar esse pedido, a senhora Lewis me acolheu quando cheguei aqui aos quinze anos, me ajudou em várias emergências e eu realmente a considerava da família, não podia se quer imaginar dizer não a ela.
- Está bem, se não for em dia de aula então eu estarei lá
Sorri educamente e ela abriu um sorriso mais que radiante acabamos de conversar após meu café ter terminado a uma ou duas horas atrás e Jason, o garçom e também um de meus melhores amigos, veio tirar a louça já que havíamos levantado, as sardas em seu rosto eram fracas mas fofas, o tom ruivo de seu cabelo era de um laranja vivo e seus olhos azuis eram gentis por mais que sua personalidade fosse de um pestinha na quinta série, Jason não era alto nem tinha porte atlético mas de algum jeito conseguia atrair todas as clientes mais jovens da cafeteria, costumam deixar o número de telefone para ele em guardanapos, acho que ele faz coleção.
- Jason não se esqueça de ir lá em casa mais tarde para o trabalho de história.
Disse pousando minha mão direita em seu ombro
- Pode deixar, vou levar uns bolinhos de gengibre que você gosta - sorriu ele e logo em seguida sussurrou - e não sei por que gosta, tem um gosto de meia suja.
- E você já provou meia suja?
Bati de leve em sua cabeça fazendo a senhora Lewis rir baixinho.
Sai da dali sorridente e satisfeita em direção a uma escadaria cinza toda pixada não muito longe que levaria a um atalho até a biblioteca, precisava pegar alguns livros para o trabalho, no caminho pensava em como minha vida estava de modo geral acomodada, terminaria o ensino médio e iria para a Califórnia estudar artes, meu maior sonho, levaria comigo minha gata Jujuba de pelagem alaranjada e a pouca bagagem que tenho resumida em roupas, telas de quadros brancas e alguns pincéis caros que ganhei de Natal da senhora Lewis, talvez tente enfiar Jason na mala também mas duvido que aquela cabeça grande consiga entrar, ri dos meus próprios pensamentos e me aproximei da escadaria que parecia mais íngreme do que me lembrava, o tempo fechou e o vento gelado era ainda mais gelado agora, procurei em meu bolso um par de luvas brancas aveludadas mas não encontrava em lugar algum, desci um ou dois degraus a mais ficando quase na metade do caminho e o vento aumentou o lugar estava deserto, as árvores balançaram com força e eu me segurei no corrimão de metal gelado, tentei descer sem parecer desengonçada mas era impossível, ouvi um estrondo assustador que fez me arrepiar inteira, era um pedaço de tronco de uma das árvores ao meu lado que se partiu como se alguém tivesse quebrado em dois, se eu não tivesse desviado a tempo a essa altura teria virado uma panqueca, dei um grito assustado e me tremia inteira, corri quase que nem sabendo como para o final da escadaria e me abrigando de baixo da cobertura da porta de entrada de um restaurante chinês, coloquei a mão de leve sobre meu peito sentindo ele acelerar freneticamente, recuperei o fôlego tentando entender o que havia acabado de acontecer e suspirei aliviada por ter escapado de um possível acidente. Olhei para os lados tentando me localizar e quase como um estalar de dedos vi a biblioteca ao final da rua, iluminada com postes de luz em tom amarelado fraco e a cor das paredes envolvidas em um cinza azulado, andei as pressas para a entrada temendo outro possível acidente e no trajeto pude jurar que senti uma sombra passar ao meu lado, olhei para trás e tudo o que vi foi o restaurante chinês ficando cada vez mais distante. Ao entrar na biblioteca que estava praticamente vazia e o silêncio dominando o local, olhei em direção aos corredores e procurando pelas etiquetas gravadas em um adesivo tentei encontrar a seção de história com os olhos. Peguei alguns livros pesados e velhos apoiando com a mão esquerda contra meu peito e a mão direita tentava alcançar o último livro que precisava, estava tão no alto que fiquei nas pontas dos pés em uma tentativa frustrada de conseguir puxa-lo.
- Mas que porcaria.
Susurrei baixo reclamando, meus dedos ainda gelados dificultavam um pouco a situação, alguma coisa esbarrou com força na parte de trás da estante a balançando, uns cinco ou seis livros caíram no chão fazendo um barulho alto incluindo o livro que eu tentava puxar.
- Melhor do que nada.
Me coloquei de joelhos a fim de juntar os livros que não precisaria quando novamente a estante balançou e dessa vez com mais força, ao sentir pilhas e pilhas de livros pesados caindo sobre minha cabeça, me joguei para trás e tudo o que vi foi a estante caindo no chão. Fiquei paralisada de susto, como pode alguém ser tão azarada assim? Vi a bibliotecária correr até mim em pânico com leque gigantesco a abanando, seu vestido rodado preto de bolas brancas eram chamativos de mais para que eu não notasse.
- Querida, você está bem?
Ela correu em minha direção me ajudando a levantar e em seguida me abanava freneticamente fazendo uma ventania desnecessária.
- Estou sim, obrigada.
Agradeci me levantando afim de que ela parasse olhei em volta para ver se tinha alguém ali além de nós duas mas nada.
- Como isso aconteceu? Você se pendurou na estante ?
Questionou ela apioando suas mãos na cintura e me olhando torto.
- Não mesmo! Essa estante balançou e logo depois caiu em mim.
Protestei a encarando.
- Por Deus menina, fale a verdade!
A bibliotecária agora estava começando a me irritar, fechei as mãos tentando controlar o que sairia de minha boca em seguida para não causar mais confusão apenas suspirei e disse em alto e bom tom.
- Eu não teria por que mentir senhora, essas estantes estão velhas, acho que de tantos livros grudados um no outro ela acabou não aguentando.
A bibliotecária revirou os olhos e chamou dois rapazes grandes que estavam ao fundo do local fazendo a segurança e pediu que eles levantassem a estante e a colocassem no lugar novamente, depois desse segundo susto achei melhor ir para casa e passar o restante do dia em segurança até Jason chegar.
Os vizinhos do meu apartamento eram tão barulhentos que se eu quisesse ver algo na TV, teria que por no último volume e me sentar o mais próxima possível da tela, entrei em casa tirando meu casaco e pondo em cima de uma cadeira que servia de cabideiro nas horas vagas ao lado da porta junto com os livros da biblioteca, minha gata Jujuba ao notar minha presença veio ao meu encontro se esfregando em minhas pernas, me abaixei pegando ela no colo e indo em direção ao meu quarto, abri a porta da sacada e fiquei ali sentindo o vento fraco bater em meu rosto
- Aí jujuba, hoje foi um dia daqueles sabia ? Se eu te contar você nem vai acreditar.
Jujuba miou baixinho e adormeceu em meus braços, coloquei ela com cuidado na cama e fui arrumar a sala para fazer o trabalho com Jason. Não demorou muito e ele estava já entrando em meu apartamento com a chave reserva assim como faz a alguns anos.
- Eu trouxe comida
Disse ele balançando um saco de papel pingando a gordura e colocando seu skate de baixo da cadeira ao lado da porta.
- Achei que iria me trazer meu bolinho de gengibre!
Exclamei cruzando os braços.
Ele deu a volta na copa da cozinha pondo o saco em cima do balcão e eu sentei no banquinho para ver o que ele tinha comprado.
- Deixa esse bolinho bobo pra lá e olha só essa maravilha
Ele puxou o papel e um enorme balde de frango frito com batatas fritas apareceu diante dos meus olhos.
- Eu não tô acreditando.
- Nem eu, esse é ainda maior do que o que nós pagamos na semana passada!
Os olhos verdes de Jason estavam iluminados de pura euforia, mas eu só conseguia pensar em como o estômago dele aguenta tudo isso. Começamos a comer, enquanto eu demorava para terminar meu primeiro frango, Jason estava de boca cheia com batatas e um frango em cada mão.
Ele é como um irmão para mim, sempre fomos respeitosos um com o outro e claro, como todo bom irmão nós brigamos mas nunca deixamos de contar um com o outro, eu estava lá quando ele conseguiu o primeiro lugar na competição de skate, também estava lá quando conseguiu o primeiro emprego e quando a mãe dele foi internada as pressas. Eu e ele nunca vamos deixar de sermos importantes na vida um do outro, eu não tenho família mas ganhei ele de irmão postiço como presente do universo pra tentar se redimir comigo.
- Está bem, vamos nos limpar e começar o trabalho.
Ele concordou sacudindo a cabeça indo para o banheiro, lavei minhas mãos e em seguida passei no meu quarto para pegar uma muda de roupa limpa para Jason, acabei separando a minha também para tomar um banho depois. O relógio marcava 2:15 da madrugada quando terminamos tudo, Jason não parecia cansado, se levantou do chão e se jogou no sofá ligando a TV
- Vem Hope, vamos maratonar aquela série que você gosta
Sorri e me sentei ao seu lado mas não estava completamente focada na série, já tinha visto aquele episódio em que o Ross descobre que sua irmã Mônica está namorando seu amigo Chandler umas mil vezes.
- Hoje aconteceram algumas coisas estranhas sabia?
Puxei assunto afim de querer desabafar ou sei lá, Jason virou para mim esperando eu continuar a falar.
- Depois que eu saí da cafeteira um galho grosso de uma árvore quase caiu em cima da minha cabeça e depois quando fui a biblioteca uma estante gigante quase me esmagou.
- Já tomou banho de sal grosso? Não! Melhor, vou te levar até a igreja pra te benzerem
Jason ria debochado, peguei uma almofada e joguei em seu rosto.
- É sério seu besta, eu poderia ter morrido sabia !?
Cruzei os braços arqueado a sombancelha esquerda.
- Se você estivesse morta, eu iria ao seu enterro usando a minha jaqueta jeans escrita "vida longa" atrás.
Nós rimos e depois disso adormecemos na sala com a TV ligada, pela manhã decidi sair cedo para comprar alguns pães para tomar um café descente com Jason, a cada passo que eu dava na rua estreita e vazia sentia um frio percorrer meu corpo por inteiro o dia estava nublado e parecendo que uma chuva iria cair logo logo, entrei na padaria e fui até o balcão fazer meu pedido, não estava muito cheio, umas cinco ou seis pessoas estavam na minha frente, esperava minha vez pacientemente quando um cara alto de sobretudo preto parou ao meu lado, seu cabelo era de um preto intenso e sua pele pálida sem algum sinal de marquinha ou espinha, era invejável, os lábios vermelhos cor de sangue eram tentadores mas não fiquei reparando muito, ele estava tão perto que dei um passo para o lado afim de me afastar um pouco, fiz meu pedido e logo sai em direção a rua novamente, a cada passo que eu dava sentia alguém se aproximando então andei mais rápido até virar a esquina me misturando com a multidão que passava para atravessar a rua. "Já não basta ontem, hoje tem alguém me seguindo, quando foi que esse lugar ficou mais perigoso?" Afundada em pensamentos senti gotas leves de chuva começarem a cair em meu rosto, quando me dei conta havia esbarrando de frente com ele, o cara da padaria de sobretudo preto.
Parada ali imóvel, hipnotizada em seus olhos estranhamente avermelhados que me encaravam sem piscar, o estranho estendeu a mão ainda me encarando.
- Você esqueceu seu troco.
Tentei de alguma forma reagir normalmente mas tudo o que consegui fazer foi gaguejar, por Deus que estúpida.
- O-obrigada.
Tentei me mover para pegar o dinheiro mas era como se meu corpo tivesse virado uma estátua, o cara estranho deu um passo a frente colocando o dinheiro no bolso do meu casaco.
- Vá para casa antes que a chuva aumente ou vai se resfriar Hope.
Ele então virou a esquina e sumiu, como ele sabia meu nome? E quem é esse sujeito? As gotas de chuva caiam mais fortes e corri para meu apartamento desnorteada. Jason limpava toda a bagunça de ontem a noite, segurava um espanador em uma mão e na outra o aspirador.
- Ei! Parada aí, tire o sapato agora mesmo.
Protestou ele me ameaçando com o espanador.
- Jason você não vai acreditar.
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Destinada Ao Inferno
RomanceEm Port Angeles mora Hope, uma jovem de 17 anos que perdeu os pais muito cedo e vive uma vida simples sem extravagâncias até conhecer um cara estranho de sobretudo preto, depois disso nada na vida da garota voltaria a ser o que era. Quando menos esp...