os olhos fixos de Carlos pairavam diretamente naquela casa de madeira com uma numeração de metal quase como no estilo gótica, o número escrito era 10. a casa tinha paredes de fachada azuis. uma porta de madeira no centro da construção de cor branca. janelas pequenas, uma em cada lado da porta. sua aparência fazia parecer minúscula, porém Carlos sabia que era gigante por dentro.
lembra do primeiro dia que entrou lá. uma animação quase que juvenil demais para ser sentida num corpo de 19 anos. ao seu lado, segurando a chave e pressionando a maçaneta como se pudesse lhe dar o mundo naquela porta, estava seu recém namorado.
"parece pequena por fora, mas é gigante por dentro, e vamos faze-la se tornar eterna." dizia o namorado enviando seus lábios até o menor, ainda pressionando a mesma maçaneta como em um segredo na palma da mão.
realmente, ele tinha razão, Carlos. a casa era gigante por dentro. mas eterna? um dia pareceu ser, pensou Carlos ainda na frente daquela casa de número 10. se aproximou quase como um coelho com medo de seu dono. percebeu bem na entrada da casa, embaixo da numeração de metal em estilo gótico, uma rachadura. será que sempre esteve ali?
"vem, Carlitos, senta comigo no nosso novo sofá em nossa primeira casa juntos. a primeira de muitas." ele, o namorado, enfiava sua mão grande demais dentro do short do menino jovem demais. e ali, ratificou que poderia levar o garoto às alturas naquela casa, pra sempre.
uma sala, um quarto, um banheiro e uma minúscula cozinha. Carlos contava em seus dedos todos os cômodos que se lembrava da casa número 10. e lembrando de cada novo lugar que ele se entregou para o seu namorado mais velho que ele. se entregou nos 4 cômodos, que por coincidência, ou lógica, eram todos. porém, o único lugar que ele nunca ousou se entregar fora o quintal.
"não é quintal, Carlos. terraço!" carregava na mão um livro, sentado apenas com uma perna cruzada no quintal da casa deles.
"verdade, desculpa, sempre esqueço que você sabe de tudo." Carlos sorriu quando proferiu essa piada. ele, o namorado, não.
o quintal era sagrado pra Carlos, e ele não sabe bem porque. olhando para a casa hoje novamente tenta entender: o que o quintal tinha de especial? e então ele sacou, como um pano retirado que cobria o maior furo no sofá de sua avó. o quintal era livre.
"Carlitos, é claro que você não deveria se culpar por ter me feito ódio ontem. eu entendo que as vezes você erra, faz parte de você." ele secava suas lágrimas que caiam fortes a cada nova passagem.
"obrigado. eu não sei o que seria sem você aqui comigo." se sentia livre de qualquer culpa, Carlos era errante e estava tudo bem. deitou na cama e se entregou, mais uma vez, para ele.
o quarto, em um tom bege claro, era aconchegante. o único lugar que Carlos ainda podia imaginar com clareza, mesmo sendo tão escuro. ali ele quis passar anos apenas deitado na cama, enquanto pensava no que fez no domingo passado contra o namorado. derrubou uma taça de vinho na camisa dele, porra, como pode ser tão desengonçado?
"como pode?" ele olhava para Carlos, um olhar forte. característica dele.
"desculpa, eu vou mudar, por nós." pegava uma toalha para limpar o excesso de vinho que manchou a camiseta de algum cantor ou banda de rock refinado demais para o Carlos entender.
"mudar? vai comprar uma camisa nova do Foo Fighters pra mim?" sua mão, grande demais, segurava o rosto do menino. uma mordida no lábio inferior e quase violenta puxada em seus dentes brancos demais. mais uma vez, por se sentir culpado, se entregou ali na mesa da cozinha novamente. para mudar.
e mudou? sim, pensou Carlos, de forma quase forçada, mas mudou. mesmo a casa parecendo grande por dentro se tornava pequena a quantidade de coisas que ele cortava de si pra caber ali. olhava o quintal, novamente, com inveja por saber que ele era livre. e olhava o homem que escolheu pra viver dentro daquela casa ao seu lado lhe prometendo o mundo todo, mas não lhe permitindo ter metade do mundo que ele prometera.
"um dia vamos viajar pra Londres, sabia? eu e você apenas." o maior estava deitado ao lado do menor na cama depois de ter recebido sua entrega da noite. na sensação de que tudo era eterno, apenas a sensação.
"sério? e esse dia seria quando?" Carlos passeava com os dedos no peitoral despido de seu amor.
"sem pressa, Carlinhos, nem sabemos se você vai me amar daqui pra amanhã." frase cortante saiu da boca suave.
olhando agora para aquela casa em que tudo parecia real e eterno, Carlos entende que não tinha outra alternativa a não ser fazer o que ele queria fazer, olhou para o objeto em sua mão e sorriu, um sorriso quase maléfico. porém entendia, que iria doer, mas apenas iria doer para ele, não para o outro.
"tô cansado de fingir que temos vontade um pelo outro, sabia? parece que preciso me desdobrar pra você me notar" nessa noite Carlos só fazia chorar, olhando pra ele, o namorado, diretamente.
"mas você sabe que a culpa não é minha né?" um sorriso saia dos lábios charmosos do homem que um dia lhe prometeu o mundo. "você que me colocou nessa posição, apenas."
foi ali, naquela sala coberta de pedras sendo construídas no meio dos dois que Carlos entendeu e visualizou que sempre caia sobre si a culpa de tudo. e ele não queria mais ser culpado. e se fosse pra ser culpado, seria com razão e não suposição.ontem, Carlos achou uma caixa de fósforo debaixo do travesseiro do homem que um dia amou. pegou-a nas mãos. e então percebeu, ele queria o tomar em chamas. mas antes que isso pudesse acontecer, se encontrou em frente a casa, pegou os fósforos, riscou um deles na caixa... Tzzzz. e deixou que as chamas tomassem conta da casa com o número 10. agora era tudo cinzas, a casa, o seu amor, e o homem que um dia disse ser pra sempre. mas se manteve intacto o quintal, pois nele nunca havia se entregado o amor falso que um dia ele prometeu construir para sempre.
queime, antes que te queimem por completo. e faça questão de encontrar o seu quintal. Carlos desmoronou depois disso, mas construiu uma nova casa em que tudo nela lembrava o antigo quintal da casa número 10.
"but i took your matches before fire could catch me,
so don't look now, i'm shining like fireworks over your sad, empty town."
- dear john, taylor swift
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querida casa 10
Short Storyesse é um conto sobre uma casa carregada de memórias para Carlos. memórias boas e ruins. que precisam virar esquecimento o quanto antes.