Guarda-chuva - Julieta

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Semanas se passaram, e eu estava mais próxima de romeu, tínhamos conversas casuais, as vezes tomadas pela tagarelice incessante dele, mas isso apenas o fazia mais charmoso, eu definitivamente poderia escutar ele ditando um monólogo ininterruptamente.

- Você sabia que o causador da doença de Chagas é o besouro barbeiro? - Disse ele, balançando-se e com as mãos entrelaçadas em suas costas.

- Sério? Quando essa doença foi descoberta? - E lá se foi mais uma aula, saímos para o intervalo e ele foi se regular, eu confesso que gostaria de passar o intervalo com ele também, mas era tímida demais para pedir isso.

Ele parecia entender o que eu sentia, apesar da dificuldade com os sentimentos, ele era umas das pessoas mais empáticas que já conheci, lembro-me de quando li algo tão triste que comecei a lacrimejar, ele perguntou o que havia acontecido, e eu só falei que tinha visto algo triste, lágrimas fizeram menção em seus olhos também, quando questionei sobre que ele nem se que tinha lido a matéria, ele disse que não sente uma empatia racional, mas sim praticamente puramente sentimental, onde ele sente tudo o que a outra pessoa sente. não pude deixar de achar isso extremamente fofo, logo mostrei a ele um besouro agradável, ele voltou a falar sobre as espécies de besouros encontradas no norte africano, eu ouvi atentamente.

Eu gostava muito dele, adorava sua presença, ele entendia sobre minha questão racial, sobre ser uma garota asiática filha de imigrantes, sobre como muitas pessoas viam apenas minha etnia, me viam apenas como a "japa" como "a garota asiática", ignorando totalmente meus almejos, desejos, vontades e sonhos, reduzindo-me a um rótulo. sem contar os esteriótipos e os ataques raciais explícitos, era cansativo, extremamente cansativo. Muitos desses comentários faziam eu repudiar meus traços, minha identidade por um todo, e também me levavam a achar que eu era somente a minha etnia. hoje não mais, aprendi que isso era reflexo de uma sociedade fundada no racismo, na dizimação dos povos indígenas, negros, amarelos, marrons... Entendi que infelizmente, crescer numa sociedade de racismo estrutural sendo uma pessoa não-branca, é exatamente assim.

Depois de minha breve reflexão, percebo que já é hora de ir embora, e que pingos de chuva esfriaram o ambiente, uma temperatura fria com vento igualmente frio, e eu estava sem guarda-chuva, suspirei derrotada, pensando em como fazer para não molhar meus materiais. Até que passos conhecidos aproximaram-se de mim, com sua voz calma:
- Você está sem guarda-chuva? Se quiser podemos ir juntos, sempre uso guarda-chuva gigantescos. - Ele disse, olhando a chuva, poderia dizer que estava até a analisando.
- Se tu puder, eu agradeço, realmente não quero correr o risco de molhar minhas anotações.
Fomos andando pela chuva, e o guarda-chuva era gigante mesmo, poderia acomodar facilmente 4 pessoas sem nenhuma dificuldade. Era confortável estar com Romeu, o seu silêncio dizia muito, nós andamos sem dizer uma palavra, apenas escutando o barulho que as gotas de água emitiam quando entravam em contato com o solo, eu não me sentia coagida perto dele, era o exato contrário. Finalmente estava em casa, eu nunca fiquei tão grata por ter esquecido um guarda-chuva.

Romeu e Julieta - Século XXIOnde histórias criam vida. Descubra agora