Prólogo - Samantha

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A minha primeira experiência com o sobrenatural foi logo após a morte da minha avó. Como toda criança de 9 anos, ainda estava descobrindo sobre a morte, com os adultos me deixando mais confusa do que ajudando. "Você vai pro céu ou pro inferno." Você voltará a inexistência, assim como você não existia a 100 anos atrás." Você se transformará em uma energia cósmica que só sente prazer, vagando por aí até o fim do universo." Cada parente e conhecido dava uma resposta diferente quando eu perguntava. Naquela noite mórbida, descobri que definitivamente havia algo a mais depois de morrermos.

Nossa família se hospedou na casa da minha falecida avó, agora vazia com o meu avô já tendo falecido a quase uma década. Os adultos permaneceram na área do velório durante a madrugada, e eu fiquei com o quarto da minha avó só para mim naquela noite. Eu não conseguia dormir, triste por ter perdido a minha amiga, presente em toda a minha breve vida.

Já deitada, mas ainda de olhos abertos encarando o teto no escuro, ouvi passos na escuridão. Levantei da cama e fui até o corredor, mas não vi ninguém. Ao voltar para o quarto, acendi a luz e congelei por um segundo. Sentada na minha cama, estava a minha avó. O rosto dela piscava com vários rostos diferentes, alternando a idade como um "slideshow" com defeito, onde uma aparência não permanecia por muito tempo, mas inegavelmente era a mesma pessoa. Ela sinalizou para mim sentar ao lado dela. Após o choque inicial, acalmei-me e obedeci ao comando, o ar, apesar de estar abafado e um pouco gelado, passava-me uma sensação de paz e serenidade. Sentei ao lado da figura etérea, que passou a mão no meu cabelo, abraçou-me e disse:

— Durma bem, meu amor, te amo, vou sentir saudades. — Antes de desaparecer em pleno ar.

Na manhã seguinte, contei para os meus pais o que havia acontecido, que menosprezaram a minha experiência como "imaginação fértil de criança". Mas eu tinha certeza do que eu havia ouvido, visto e sentido. Os mortos podem conversar conosco, e eu queria descobrir como poderia repetir esta experiência.

Assim nasceu uma obsessão.

Quando tive idade para ser um pouco independente, comecei com as minhas pesquisas. Com a internet ainda engatinhando, fiz a maior parte do serviço pessoalmente. Entre os muitos charlatões e atores ruins, descobri várias culturas que conseguiam contatar o além. Após alguns anos pulando entre tais crenças (ficando mal vista em algumas comunidades por usá-las como um aprendizado), pus em prática tudo que aprendi, sem as travas de que as religiões me impunham.

Após várias tentativas fracassadas, descobri a importância do local e do período. Veja bem, espíritos nem sempre permanecem para trás, na verdade é uma ocorrência rara. Também nem sempre respondem, podem ouvir os chamados e simplesmente nos ignorar. Insistência era a chave.

O primeiro sucesso estrondoso ocorreu aos meus 16, após alguns contatos mais "tímidos" das minhas invocações, com frases soltas, objetos mexendo ou alteração da temperatura do ambiente.

Era uma noite de lua cheia, dei uma fugida de casa enquanto meus pais tinham ido ao cinema. Encontrei com os meus amigos na praça, e após alguns minutos de tédio, veio a sugestão: Em uma casa abandonada, tentarmos fazer uma sessão espírita. Todos já sabiam da minha obsessão por espíritos, e de todas as minhas pesquisas e tentativas.

Fomos até a casa, que estava abandonada porque os pais haviam sido recém presos, acusados de matarem a própria filha. Pelas reportagens, em uma das brigas do casal, a mãe descontou a raiva na filha, enforcando-a até a morte. Na tentativa de não serem pegos, enterraram a garotinha no próprio quintal. Não sei o raciocínio dos 2 gênios, mas obviamente, em pouco mais de uma semana, a escola contatou o conselho tutelar, que acabou descobrindo tudo.

Sem muito esforço, conseguimos entrar por uma janela. Fizemos um círculo com velas e sentamos, os 6 amigos de mãos dadas ao redor delas. No meio, um vasilhame com uma gota de sangue de cada presente. Fiz o mantra costumeiro, que eu já havia decorado após várias tentativas frustradas. Desta vez, porém, quase que imediatamente, todos os pelos do meu corpo ouriçaram-se após eu proferir as palavras. O ar da sala esfriou repentinamente, sentia que não conseguiria me mover. O barulho dos carros passando pela rua silenciaram-se, como se tivéssemos sido colocados em uma bolha atemporal. Um som de choro quebrou o silêncio. Ao olhar para o lado, vi a Eloisa, amiga minha desde a infância, exalando um som de choro, apesar de não saírem lágrimas dos olhos dela. A boca expressava uma tristeza profunda, enquanto os olhos, que não piscavam, aparentavam confusão e surpresa. Uma voz fina, muito diferente do que a Eloisa tem normalmente, saiu em seguida:

Cronômetro da insanidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora