Capítulo 2 - Chuva

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Os três anos seguintes foram perfeitos. A rotina era quase sempre a mesma, dia de semana eu trabalhava de dia em uma das fazendas do meu pai, a noite ia para a faculdade e no final de semana íamos para o bar. Sempre eu, a Ana e a Maria conversando, e na maioria das vezes o John, que era mais sociável do que nós 3, então dividia a presença entre várias galeras. Em um desses dias, John aproximou-se da nossa mesa.

- Meus 3 médicos favoritos!

- E você conhece mais alguém que faz medicina? – Maria disse.

- Nem quero, só vocês já preenchem meu coração inteiro.

John puxou uma cadeira e sentou conosco.

- Não adianta puxar o saco, já falei que não vai rolar atestado sem tá doente.

- É muita falta de consideração com o seu amigo querido.

- O que aconteceu com o "date"?

- Ah, ela não tinha senso de humor. Eu tava contando do filme que vi ontem, o "In Bruges". Na mira do chefe, em português, mas o nome original sempre é melhor, as traduções gostam de entupir de spoilers. Enfim, tem um anão muito louco, o protagonista faz amizade com ele oferecendo um pó pra ele cheirar, daí eles vão num quarto com duas putas. No começo dava mó dó do anão, porque é dito que tem altos anões que se suicidam e tal. Mas daí o anão, cheiradaço de droga, começa a falar sobre conflito entre negros e brancos. Ou seja, o anão que todo mundo tava com dó, era um cuzão racista. Hilário, hilário. – John ria sozinho enquanto contava a história. - Mas ela não riu! Ainda disse que o filme parecia ser uma merda. Acabou o clima, não sabia mais que assunto puxar, imaginava que tudo ia ofender ela. Então ela acabou indo pra casa.

- Quem que fica falando de drogas, racismo e suicídio num primeiro encontro? Você é muito burro, John.

- Errado é ficar escondendo personalidade. Tem que jogar o pau na mesa no primeiro encontro já. Se não combina, paciência.

- Dá pra segurar um pouco de informação. Não precisa assustar tanto, vai nos assuntos mais de boa.

- Virou coach amorosa é? Você também tá solteira.

- Eu quero focar na faculdade, deusolivre namorar agora. Você que tá caçando toda semana e tá aí solteirão ainda.

- Sei. Tá na espera de algum varão da igreja, é?

- Nem fui na igreja esse mês, chega final de semana tô sempre exausta. Tenho que me esforçar mais.

- Mas tempo pra cervejinha tem, né, dona Maria.

- Cala a boca. – Maria jogou um amendoim na cabeça do John enquanto ria. - Você é o diabo em pessoa e vai ficar aí me julgando.

- Tô brincando, tô brincando. Você sabe que eu te amo. – John virou o litrão de cerveja no próprio copo, mas estava vazio. Ele então levantou- se e foi na direção do balcão do bar. - Eu pago a próxima rodada.

Ficamos conversando até o bar fechar. Tudo fluía perfeitamente.

Mas, uma semana depois desse dia, em um golpe do universo, que aparentemente circula de um modo que sonhos nunca podem ser alcançados, tudo acabou naquela noite chuvosa. Pior ainda, esse seria o primeiro soco no meu estômago de várias outras tragédias que aconteceriam em seguida. Um ano repleto de pesadelos brutais.

Era final de novembro, alguns dias depois do nosso aniversário de três anos de namoro, durante o período de provas finais da faculdade. Ana tinha me mandado mensagem:

"Passa aqui pra irmos juntos na faculdade?"

"Hj vou ficar em casa estudando pra prova da semana que vem, já tô passado nessa matéria de hoje."

Cronômetro da insanidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora