Cronômetro da insanidade

Capítulo 1 - Sol

Era o primeiro dia de aula, eu iniciava uma nova fase em uma das faculdades mais renomadas do país. A aglomeração se perdia de vista pelos prédios dedicados às diferentes áreas. As centenas de pessoas iam desde os jovens até pessoas já de cabelo branco, que descobriam uma paixão por um novo conhecimento no entardecer da vida, ou seguiam um sonho postergado devido à algum imprevisto nos seus anos primordiais.

Passei pelas diversas áreas até chegar à minha: Medicina. Terminando o ensino médio, tive uma pressão dos meus pais para entrar em algum curso imediatamente. Meu pai me dizia: "Você que entre em alguma faculdade pra algo que ganhe bem, não quero vagabundo sem fazer nada na casa, nem filósofo ou qualquer uma dessas merdas. Se não passar em um curso decente, coloco você juntando as bostas dos cavalos lá na fazenda".

Não almejava profundamente nenhuma área em específico, ainda naquela incerteza dos 17 anos. Pressionado e indeciso sobre o futuro, sem profissão "dos sonhos", escolhi a que mais teria retorno monetário e de status quo. Atravessando os corredores amarrotados, esbarrando de leve nas pessoas devido à falta de espaço, cheguei ao meu destino.

"1° ano de medicina; Lucas Carvalho dos Santos." – Achei o meu nome na lista de quarenta alunos colada na parede ao lado da porta da sala.

Adentrei o recinto, a sala já estava quase cheia, alguns alunos conversando e outros com o olho cravado no celular. Sentei na penúltima carteira no meio da sala, umas das poucas que estavam vagas. O professor, um homem com os cabelos já brancos, uma barba respeitável e uma vestimenta quase inteira social, entrou na sala e pediu para que a conversa generalizada cessasse. Após alguns segundos de silêncio, ele iniciou a fala:

- Já ouviram falar de Andy Warhol? Homem simples, artista talentoso. Ele tinha fobia de hospitais e médicos, mas aceitou ser operado apesar dos seus medos. Foi admitido no hospital para uma operação simples, a de vesícula biliar. A operação foi um sucesso, mas depois dela ele entrou em coma e faleceu. A causa da morte? Assassinado puramente por incompetência e descaso. Uma autópsia revelou seus pulmões e traqueia cheios de fluídos. Ele estava recebendo o dobro de morfina do que o necessário, seu corpo ficou sem nutrientes em pouco tempo. Se UM profissional tivesse feito uma observação SIMPLES ele teria sobrevivido; mas os incompetentes do hospital deixaram ele sem atendimento básico por horas, o que ocasionou no colapso do seu corpo e o ataque cardíaco.

O professor caminhava lentamente pela sala com as mãos nas costas, observando a feição de seus ouvintes:

- No campo médico, seis pessoas morrem a cada hora por erro ou negligência. Por isso, os próximos anos exigirão de vocês notas impecáveis, empenho e dedicação. Não aceitarei nada menos do que a perfeição. Não darei um diploma para ninguém que sairá matando famílias enquanto exerce a profissão. A responsabilidade da profissão que estão seguindo é garantir que todos que passarem por seus consultórios possam continuar seus sonhos e planos. Médicos devem ser profissionais competentes que se importam com a vida humana. Competência e empatia! Espero isso de todos. Aproveitem o primeiro dia pra conhecerem melhor a faculdade e seus colegas, amanhã começaremos a matéria. Bom semestre a todos.

- Nossa! - Ouvi uma voz delicada comentar atrás de mim - Não imaginava que a fala inicial do curso seria agressiva assim.

Virei-me e olhei para a autora da fala, uma garota de cabelos negros e lisos contrastando com a pele quase anêmica, olhos verdes com a pupila dilatada e uma expressão de excitação com a fala casual do professor.

- Eu preciso confessar - Respondi quando notei que o comentário tinha sido direcionado a mim - que não me importo muito com os pacientes. Acho isso uma qualidade, sabe? Não sei como alguém consegue ser médico se importando em excesso, deve se suicidar em um ano de carreira. Imagina a culpa de viver com mortes ao redor todo dia. Se morre alguém no trabalho, o certo é chegar em casa, abrir uma cerveja, colocar algo pra assistir e nem pensar sobre isso.