Capitulo 3 - Ana

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Desde que eu era criança, meu pai sempre me dizia: "Ana! Seja um lobo e não uma ovelha. Mas não seja um lobo com pele de ovelha". O meu eu com seis anos só coçava a cabeça com uma feição incrédula pensando "Esse velho tá maluco, não fala nada com nada".

A minha infância foi tranquila na cidadezinha do interior onde eu morava; como quando se é criança tudo é novidade, era difícil eu ficar entediada, sempre tinha alguma vizinha para interagir ou o parque da cidade com vários brinquedos.

Entretanto, a partir dos meus doze anos, já sonhava em sair dali. As festas da cidadezinha eram todas com temáticas relacionadas a caubóis e a vida do campo, e a cidade mais próxima com cinema e eventos diversificados era a mais de cem quilômetros de distância. Desprovida de dinheiro como toda adolescente, restava-me passar os finais de semana em casa. Algumas vezes eu dormia na casa de uma amiga depois de muita insistência e barganha, e meu pai repetia a costumeira pergunta antes de eu aventurar-me fora de casa: "Filha, o que eu sempre te digo?" "Seja um lobo". Eu respondia com uma voz monótona, revirando os olhos com vergonha da breguice daquele homem de cabelos já embranquecendo, assim que ele desviava o olhar. Meu pai sorria, fingindo não notar o meu descaso, e se despedia: "Se divirta e se cuide, meu anjo. Papai te ama." Ele dava um beijo na minha testa e eu saia do carro, indo para aquele programa recorrente: assistir alguma coisa na casa da minha amiga e atualizar as fofocas, afinal a vida das pessoas de uma cidade como a nossa eram livros abertos. Era impossível ser discreto com o contato constante dos moradores amontoados nas poucas casas e lojas, e então tudo que acontecia tornava-se um verdadeiro telefone sem fio, acontecimentos mesmo que ordinários iam passando de boca em boca até transformarem-se em uma meia verdade exagerada.

Aos dezesseis eu tinha me tornado uma aluna exemplar, movida pelo sonho de conseguir entrar numa boa faculdade e sair daquele lugar minúsculo. Aprendi o que era uma metáfora, mas mesmo assim ainda não entendia o que meu pai queria me dizer com "ser um lobo". Ser cruel? Feroz? Incisiva? No topo da cadeia alimentar? E a "pele de ovelha"? Não era para se fingir de inocente? Ficar oculta? Não ser duas caras? Deve ser só uma frase que ele ouviu de alguém e achou legal, o que podia ter feito sentido para ele na época em que ouviu pela primeira vez, mas hoje em dia com a internet, as milhares de frases iguais a essa vêm obrigatoriamente com uma foto do coringa e viram postagens para influencers tirarem sarro. Porém, eu não tinha mais aquela ótica de que essa era uma frase vergonhosa, enxergava-a como uma síntese do amor que meu pai sentia por mim, um misto de "eu te amo" e "se cuida", mesmo que a metáfora tivesse sido perdida e não encaixasse no contexto, os olhos dele toda vez que repetia o mantra falavam mais do que as palavras saídas de sua boca.

No último ano do ensino médio fiz vestibulares e todas as provas de classificação possíveis. Consegui uma bolsa quase integral em uma faculdade no mesmo estado onde já moro, e para a minha sorte os custos couberam no orçamento dos meus pais. Com a mudança planejada, eles me ajudaram a achar uma casa pequena, confortável e não muito longe da faculdade.

Finalmente morando em uma cidade grande, fiquei extasiada com essa nova fase da minha vida, meu coração acelerava com todas as possibilidades de lazer e cultura. Cinemas, teatros, bares temáticos, apresentações, shows; meu objetivo nas semanas iniciais de faculdade seria achar amigos para poder ir nesses lugares, obviamente tomando as devidas precauções para que eu não parecesse muito desesperada, chata ou intrometida; afinal mais dezoito anos de séries e filmes dia sim e o outro também seria um balde de água fria nas aventuras planejadas para a alvorada da minha vida.

Bom, na pior das hipóteses viro a velha dos gatos e começo a fazer uns vídeos de resenhas críticas online, também não seria o fim do mundo. Mas vai dar certo, tenho fé em Deus que os próximos anos serão fantásticos!

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