epilogus.

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Somos pássaros vivendo num mundo de monstros predadores, gaiolas de aço, ouvidos sempre tapados e existindo pela expectativa de liberdade.  As expectativas que Jeon Jungkook costumava colocar no pôr do sol eram maiores das que colocava em qualquer outro elemento específico de sua vida. Lá estava ele, num fim de domingo preguiçoso, usando apenas um jeans e uma jaqueta de couro para se proteger do vento frio que soprava na ponta do píer de um lago no fim da cidade, interior de Seul. Uma de suas mãos estava protegida no bolso da jaqueta enquanto ele observava o amarelo do céu se tornar laranja e sentindo os pequenos feixes de luz tocarem sua pele no lugar em que estava. Era melancólico, silencioso, quase um refúgio. Seus olhos escuros eram afiados, não davam sinal de que derrubariam lágrimas, embora todo o seu corpo parecesse querer desmoronar. A respiração era calma, o que denunciava sua dor para si mesmo era o peso que tinha em seu peito. Havia se acostumado com aquele peso, quase como se fosse uma pedra que foi colocada em cima de seu coração. E sem maneira alguma de retirá-la, aprendeu a viver com ela.

Era fim de janeiro e o frio ainda estava presente na maioria dos dias. Haviam lugares com mais neve que os outros, como o píer onde Jeon ia para assistir o sol se pôr; a neblina densa se formava sobre a água do lago e dançava entre as árvores enfeitadas de branco. Era um bom lugar para pensar, respirar fundo e fumar um cigarro. Tinha um entre os dedos da mão livre, enfeitada de anéis prateados e tatuagens escuras, levava o cigarro até os lábios avermelhados, raspava a textura da bituca no piercing que morava no canto do inferior e então sugava a fumaça para os pulmões, segurando por longos segundos, soltando quando sentia que era o suficiente.

Mais cedo, naquele domingo, o rapaz havia tomado algumas decisões sobre sua própria vida após um almoço em família — reuniões que nunca davam certo. Já estava na casa dos trinta e dois anos, não era mais um jovem, mas também não era um velho. Contudo, havia estacionado sua vida em algumas expectativas falhas que serviam constantemente para o deixar na pior. Decidido, foi nos tons de laranja do céu tornando-se preto, que ele desejou ir até o fim com suas novas expectativas e não se deixar levar novamente pelo medo de estragar tudo.

— Jungkook. — Era a voz de Jung Hoseok, logo atrás, fazendo-o se virar. O observou caminhar pelo píer; seus passos faziam barulho na madeira e o som ecoava baixo no lago que era rodeado por árvores. A névoa que escapava por entre seus lábios denunciava o quanto estava frio. — Procurei você por todos os lugares, devia saber que estaria aqui.

Jung Hoseok, era seu melhor amigo desde o a faculdade e haviam passado por muitas coisas juntos. Eventualmente, tornaram-se cúmplices, de alguma forma. Jungkook não se enxergava como um bom homem, mesmo tendo se esforçado no passado para ser alguém que seguia as leis e aquilo denominado correto pela sociedade coreana; havia falhado nisso. Hoseok, porém, era esse alguém. A diferença entre eles era que Jeon não se esforçava mais e Jung o fazia por seus princípios, mesmo sempre estando do lado do mais velho em coisas incomuns.

— Precisei vir. Não sei quando estarei de volta à Coréia para visitar esse lugar. — Sorriu de canto, seus olhos jamais sorriam com ele. Hoseok, que já havia se acostumado há muitos anos com a escuridão que morava dentro do querido amigo, deu um breve aceno com a cabeça, demonstrando ter entendido.

— Então você tomou mesmo uma decisão? — Se aproximou, perguntava sobre algo que tinha ouvido muito nos últimos meses. Com o lago inteiro em frente aos seus olhos, observaram a luz do dia sumir mais rápido do que havia chegado pela manhã. Jung usava um sobretudo azulado, tinha os fios penteados para trás e seus olhos eram os mais preocupados do mundo.

— Sim. Está na hora de acabar com isso de vez e dar liberdade para as pessoas que a merecem. — Jeon falava baixo, ainda fumava, a fumaça rodeava seu corpo com o vento e depois sumia para longe.

— Mas e você? — Jungkook sentia o olhar sobre si, mas não podia o encarar para responder. Havia um outro grande peso e desta vez morava naquela pergunta específica. O moreno não conseguia segurar todos os pesos. — Está fazendo coisas para proteger até um desconhecido, mas não te vejo pensar em si mesmo uma vez sequer. Sabe como é difícil para mim observar você caminhando para os portões do inferno como se fosse se entregar?

Sua voz emanava dor, usou uma metáfora para descrever a situação, mas era quase como se o inferno fosse real. O mais velho jogou o cigarro no chão e o esmagou com a bota, respirando fundo antes de responder.

— Não é isso que importa.

— E o que mais importa? — Ele pigarreou. Demonstrava bem a sua preocupação, mas não podia ser amparado por isso. — Eu prometi que estaria do seu lado sobre qualquer coisa dessa sua loucura, mas exijo que você tome mais cuidado e se coloque, pelo menos uma vez, em primeiro lugar.

Jeon sorriu pequeno. O Jung agia como um irmão e isso fazia o outro o admirar, porque o via dessa forma. Virando-se para o amigo, descansou uma das mãos em seu ombro, apertando suavemente para lhe passar confiança. Hoseok suspirou, relaxando os ombros, mas ainda sentindo um calafrio na espinha, causado pela incerteza do futuro dele.

— Tome conta de tudo aqui por mim. Estarei de volta em quatro meses e tudo ficará bem. — A resposta para seu pedido fora apenas um aceno positivo e olhos desviando-se para o chão.

Sorrindo, o mais velho se aproximou e o envolveu em um abraço cheio de confiança, sendo retribuído de prontidão. O contato guardava um certo desespero e, talvez, imenso medo.

O inferno na verdade, era onde Jungkook vivia por muito tempo, era sua gaiola de aço, onde ele tapava os ouvidos para não ouvir os monstros predadores que estavam por todos os lados e vivia na expectativa de um dia encontrar a liberdade.


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HEARTLESSOnde histórias criam vida. Descubra agora