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PERFUME MALDITO

Março, 1995.

Os monstros aprendem a serem monstros, isso se vê desde muito cedo. A dor existe porque os monstros são monstros, não porque foram merecedores dela. Os caminhos ficam difíceis porque os monstros fizeram buracos nas estradas, não porque o destino está longe demais. Os monstros são culpados por tornarem outros em monstros. Os monstros são culpados de não se curarem antes de darem vida a seres não merecedores de dor. Os monstros são os únicos culpados pela dor dos outros monstros, pois foram eles que acabaram com a inocência de alguém que antes, muito jovem, não era monstro. Vidas infelizes são sim culpa dos pais negligentes, do ciclo interminável de épocas e famílias de monstros. Culpa existe, os monstros deveriam sentir culpa e deixar de serem monstros, pelo menos uma vez na vida.

A criança se rastejava pela madeira, e o contato contra o piso era tão silencioso que nem mesmo uma serpente seria tão precisa. As mãos pequenas estavam feridas; cada centímetro da pele imatura havia sido beijado pela violência, mas ajudavam a levar o corpo por toda a sala de casa.

As pequenas unhas sofriam ao serem forçadas, puxando força que não existia, num corpo tão pequeno. Havia sangue, muito dele pelo piso de madeira vermelha, marca de cansaço de uma criança que nunca entendeu porque apanhava tanto, mas não tinha outra alternativa a não ser aceitar cada tapa, cada marca, cada ferida na alma.

Dez anos de idade, medo de todos os comodos de sua propria casa, medo do som da porta da frente se abrindo no fim do dia, anseio pela hora de ir para escola e ficar longe de casa, desespero na hora do choro, repulsa pela hora do banho que fazia arder todos os machucados. Inferno era uma palavra conhecida, o significado era sua própria casa. A madeira vermelha fazia sentido, mas não havia fogo, nem outros demônios, era apenas o diabo, que entrava pela porta da sala, todo fim do dia, batia os pés no tapete da entrada e subia as escadas a procura de bebida. Horas depois, o efeito do alcool vinha, era o momento em que a criança se escondia, porém era rapidamente encontrado.

Rastejava e chorava, logo atrás, o diabo gritava com seu irmão mais novo, este que tentava o proteger para que não fosse mais machucado. O mundo nunca fez sentido para o pequeno Seokjin. Ele tinha o costume de ir ao parque da cidade com Jungkook, seu irmão mais novo, onde assistiam os pais sendo gentis com seus filhos, fazendo-os rirem e acariciando os fios de cabelo de forma doce e divertida. Muito jovens para saber o que significava ter inveja, mas desejando cada momento daqueles como o maior sonho de suas pequenas vidas. Os pais dos Jeon nunca faziam isso, não eram carinhosos, atenciosos, curiosos por seus próprios filhos.

Seokjin acreditava que o problema era ele; talvez a falta de afeto e cuidado fosse um castigo por ser um garoto mau e desmerecedor de qualquer ato de amor de seus pais. O caçula, porém, o amava muito. Mesmo que Seokjin se vissse como um menino mau, Jungkook ainda tentava o proteger, se colocando em sua frente enquanto o mais velho apanhava e gritava por misericordia ao genitor.

Naquele dia, no ano de 1995, as crianças lutaram novamente por suas vidas. Os irmãos eram muito novos, mas sabiam que precisavam resistir toda vez que o pai aparecia no fim do dia. Na ocasião em questão, Seokjin apanhou porque riu alto demais e seu pai desgostou do ato, argumentando que apenas mulheres riam de forma tão escandalosa como aquela.

Jeon Kwan, General do Exército Sul Coreano, era um homem feito de ideias machistas, homofóbicas e cheias de preconceito, afinal, o ódio era a coisa mais comum para a sociedade daquela época. O Sr. Jeon descontava sua frustração com o mundo na pele dos pequenos, que eram assistidos pela mãe todas as vezes que eram violentados, mas nunca protegidos. Silêncio era a sua forma de cumplicidade, a mulher nem mesmo fazia esforço para demonstrar que se importava, porque realmente não importava. Não havia sentimentos, receio, medo do arrependimento de ser uma péssima mãe. Não havia nada, apenas silêncio.

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⏰ Última atualização: Aug 31 ⏰

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