Capítulo 2

2 1 0
                                    

Tudo parecia muito mais fora do eixo naquela manhã de quinta-feira; Lilo definitivamente não tinha conseguido dormir, por conseguinte, não conseguiu acordar na décima vez que o despertador foi sutilmente ignorado por ela. Não achava os sapatos que combinavam com aquele vestido, obrigando-a a usar tênis de cores contrastantes. Amarrou os cabelos em coques e pegou a primeira jaqueta que encontrou. Beijou o marido, beijou o filho e saiu com um pedaço de sanduíche de mortadela na boca, tentando fechar a porta e colocar alguns documentos na bolsa.

Desta vez, pelo menos, o trem não a atrasou; o que, no dado momento, não era de forma nenhuma um motivo de alegria – deveria estar sentadinha na sua cadeira há pelo menos uma hora. Que tipo de desculpa daria? Não era como se fosse apenas uma ocasião especial; se chegasse na hora, aí sim chamaria ainda mais atenção.

Entretanto, aquela quinta-feira era crucial; seria o primeiro dia da sua sessão de terapia. Como poderia atrasar na sua primeira consulta?

É, era isso que importava para Lilo, no final das contas.

Por sorte, sua entrada na empresa foi quase imperceptível, assim como todas as suas atividades. Quando o relógio do seu computador marcou 18h02min, Lilo silenciosamente desligou o equipamento e saiu quase na ponta dos pés, apressadamente. Ao chegar à rua, correu como se estivesse em uma maratona. Desacelerou quando pisou na varanda da casa da doutora, arrumando seu cabelo e seu vestido. Respirou fundo e tocou a campainha.

Alguns segundos depois, a doutora Sue apareceu, vestindo uma saia longa colorida, uma blusa branca e jaqueta jeans. Convidando-a a entrar com alegria, pegando-a na mão e a guiando-a para a sala. Aquela bela e pacífica sala.

-Sente-se, vamos!

Lilo escolheu se aconchegar no sofá, perto da poltrona que pertencia à doutora. Essa, sempre sorridente, ajeitou-se no seu lugar e respirou profundamente.

-Então senhora Monicci...

-Lilo. Pode me chamar de Lilo. Senhora Monicci é minha sogra.

-Ótimo! Lilo, adorei! -Fizera uma breve pausa. - Então Lilo, como anda a sua vida?

Lilo ficou confusa com a pergunta. Melissa captou.

-Conte-me sobre sua vida.

-Bom... -Lilo se sentia insegura e Sue percebeu isso. Era uma das sensações mais comuns que seus pacientes levavam nas primeiras sessões.

-Bom, eu estou bem. Minha vida é comum, eu trabalho, sou casada, tenho um filho. Nada demais.

Lilo esperava que Melissa a indagasse, mas apenas se manteve atenta, sorridente e paciente.

-E sua saúde, como está?
Era a primeira vez que um terapeuta perguntava algo assim pra ela. Lilo franziu o cenho, curiosamente.

-Ah, estou bem. Raramente fico doente. Tenho rinite de vez em quando. E dias de cólicas nos meus períodos, quase morro de dor, mas né, a gente engole o choro e vai trabalhar. Mas esses dias tenho estado bem.

-Fico feliz em ouvir isso. Como você ganha a vida?

-Sou ilustradora da editora aqui na frente.

-Que legal! Você gosta do que faz?

-É, é bem legal. Gosto de desenhar. É... É legal. Não é um sonho, mas é legal. Tá bom pra mim.

Melissa não anotava nada. Estava sim com seu caderno no colo, mas tudo que fazia era brincar de abrir e fechar a caneta. Nunca desviava o olhar de Lilo; e isso deixava Lilo meio acanhada.

-Falemos agora de grana. Como anda sua vida financeira?

Mais uma vez, Lilo franziu o cenho. Desta vez, Sue soltou um sorriso mais alegre. Lilo ficou ainda mais encabulada. Era hora de Melissa dizer alguma coisa.

Seus sonhos são de ouroOnde histórias criam vida. Descubra agora