Lilo se envergonhou quando contou a sua lição de casa para o marido. Todavia, Benício achou uma tarefa bastante produtiva e foi ele quem pegou no pé da esposa para que ela a cumprisse. Com o passar da semana, percebeu o quanto reclamava da vida; acordava, aliás, sempre com o humor abaladíssimo, já pensando como iria pegar o trem lotado e ouviria sermões sobre seus constantes atrasos. Percebeu que antecipava com negatividade todo e qualquer movimento que tinha, dando ainda menos paciência para esses eventos, tornando seus dias sempre maçantes e com uma lista de arrependimentos que normalmente tiravam seu sono.
Mas graças ao seu marido, Lilo conseguiu com algum esforço escrever bons agradecimentos diários. Um deles era seu casamento. Céus, como um cara como Benício poderia ainda estar ao seu lado? Quase nunca estava bem-humorada e disposta, quase sempre se mantinha longe pelo cansaço. Qualquer pessoa em sua sã consciência (ou falta de paciência) teria pulado do barco (ou a cerca) há muito tempo. No entanto, Benício a compreendia e a confortava das formas mais carinhosas que existiam. Como era possível? A resposta sempre vinha ligeira: aquilo se chamava amor. Enxergava, aceitava e amava Lilo como ela era. Aliás, mais do que ela mesma.
E graças a esse amor, Lilo conseguiu, com certa dificuldade, identificar qualidades em si mesma. Olhava-se no espelho, quando saia do banho e permanecia alguns minutos se admirando. Gostava do seu cabelo e do contorno dos seus olhos. Thomas havia herdado isso dela. Seu nariz não era exatamente feio. Nem sua boca. Pensou, divertida, que entendia porque Benício não desgrudava dela. Se fosse um homem (ou lésbica), certamente seria seu tipo.
Então na sua sessão, ela lia pausadamente a lista que tinha escrito. Sue atentava-se ao modo como Lilo se expressava e notou como aquele exercício a fez parar para se analisar. Era evidente que ela havia notado como era negativa em quase tudo que fazia por si só. Era sempre a única e real negação da sua própria competência, afogando sua auto estima em um mar de insatisfação. Sabia que a maioria das pessoas considerava a auto apreciação como uma vaidade pecadora. O mundo era dividido entre as pessoas merecedoras e as demais, reles mortais que não perdiam o tempo olhando para dentro. Estavam muito ocupadas e preocupadas com o que os outros iriam pensar sobre suas atitudes, suas posturas, suas vidas.
Quando acabou a leitura, Lilo sentia-se aliviada. Era como se todas as palavras que havia colocado no papel livrassem seus ombros de um sentimento enorme de culpa.
Sue, claro, havia percebido isso.
-Vejo que se sente melhor.
-É, me sinto. Passei a perceber muitas coisas.
-Que coisas?
-Percebi que eu reclamo demais. É porque eu me preocupo demais também, tenho sempre muitas coisas pra resolver.
-Entendo.
Melissa respirou profundamente.
-Lilo. Vou te explicar uma coisa.
Lilo ficou super atenta.
-A vida na verdade é muito simples. A vida não separa as pessoas em classes. As pessoas que se separam em classes. Você não nasceu com um carimbo na testa dizendo que vai ser pobre, que vai ter que trabalhar duro com o que não quer e vai viver como todo mundo, com o mínimo, com o suficiente. Todo mundo, e digo todo mundo mesmo, sem exceção, nasce da mesma forma. Você tem um filho, pode comprovar isso. As crianças nascem perfeitas e sabem que são perfeitas. A gente nota isso pela forma como elas agem, como se pudessem tudo, como se fossem o centro do universo. Elas se orgulham do que são, se expressam sem a menor vergonha e amam absolutamente tudo que fazem e tudo que são. Nada está ruim para eles, tudo é incrível e adoram tudo o que experimentam. Quando não gostam de algo, são claros com a insatisfação, mas logo esquecem e focam naquilo que curtem. Nós duas já fomos assim.
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Seus sonhos são de ouro
ChickLitLilo era assim: mulher, casada, mamãe de um menininho, cheia de tatuagens no braço e ideias muito sonhadoras para uma simples ilustradora. Tinha um teto sobre sua cabeça, pão na sua mesa, contas sempre pagas; tinha a normalidade da vida sendo ela me...