02 | Amigo do meu amigo.

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   — Aqui é onde vamos começar a fazer as primeiras coisas, Bam. — Olhei para ele, como se realmente ele pudesse me entender. Ou talvez até me entendesse, mas do jeito dele.

O levei até a bancada, deixando que subisse a rampa. Tirei sua coleira pondo em um lugar adequado e em seguida botei a contenção, dando início ao trabalho. Comecei pelas patinhas, avaliando se precisavam ter seus pelos aparados.

— Então, quer dizer que você é bem tímido com outras pessoas, né? — indaguei, pegando a tesoura e cortando as unhas da pata da frente. — Creio que para isso ser diminuído, iremos precisar ser amigos, o que acha? — Olhei para ele e antes que pudesse desviar, recebi uma lambida na testa como resposta. — vou considerar isso como um sim.

Prosseguir com as outras patas, cortando as unhas e seguindo para a orelha, onde cuidadosamente limpei, tirando as sujeiras dos cantinhos. Seguimos para o próximo passo e o guiei até a banheira, molhando de trás para frente.

— Você deve ser bastante apegado ao seu dono, né? Percebi que vocês são bem grudados — com as mãos úmidas, molhei e ensaboei minuciosamente o focinho, assim como todo o corpo.

Conversei bastante com Bam, me encolhendo sempre que ele se balançava, molhando meus cabelos cacheados e toda a minha roupa. Após o banho foi a parte da secagem, já podia perceber que a cada segundo ele se sentia mais à vontade e até mesmo me lambia numa forma de agradecer pelo banho e a massagem que fiz. Hidratei sua pelagem, secando entre as patinhas. A todo momento mantinha um diálogo bem confortável, contando um pouco sobre mim e ouvindo-o latir quando também perguntava algo dele.

Um tempo depois, finalizei bam, pondo uma gravata lilás e alguns adesivos de estrela para deixá-lo ainda mais charmoso. Escutei a voz de Jungkook que cumprimentava Alice do outro lado da sala, trazendo o cão para o chão pela esteira e dando espaço para que ele andasse até a porta com a sua coleira em minhas mãos. A que a porta foi aberta, toda a felicidade acumulada do cão se soltou e ele tentou apressar para encontrar o dono, por sorte — muita musculação — minha força e jeito estavam em dia e pude acalmá-lo até estar em uma distância segura, assistindo o cão pular e o dono pegá-lo.

— Como foi garoto? Eu não disse que ia voltar — bam o cumprimentou com muitas lambidas que eram impossíveis de desviar. — Tá bonitão e cheiro — acrescentou. — deu um suspiro pesado, pondo-o no chão. — Você conseguiu deixá-lo praticamente brilhando de limpo.

— Nada como um banho e massagem pra ele deixar lavá-lo bem. — mais uma vez naquele dia, eu e Jungkook sorrimos ao mesmo tempo. Entreguei a coleira e cumprimentei bam uma última vez.

— Ele gostou daqui e de você também, Bam é bem tímido e muitas das vezes se assusta com desconhecidos.

— Fizemos um trato e agora somos amigos e não desconhecidos, isso que isso ajudou.

— Bom, então se é amigo do bam, também é meu amigo. Aquilo de “ O amigo do meu amigo é meu amigo ” — parecia uma ideia legal e assenti. concordando com ele. Mais alguns minutos e ele se foi, levando Bam e prometendo voltar.

— ” O amigo do meu amigo é meu amigo ” — Me assustei com a voz de Alice que se aproximava por trás, tocando minha cintura e fazendo cócegas, consequentemente me fazendo dar um pulinho para a esquerda. — bem interessante isso, não acha? Achei fofo.

— Temos que ser amigos dos nossos clientes, não é você mesma que diz isso? — arqueei a sobrancelha e ela fez o mesmo.

— Eu? — enfatizou. — Talvez sim, não sei, não lembro. Só lembro que achei ele bem fofo e bonitão também — deu um sorriso de lado.

— Alice! — ouvir Soyoun rir logo atrás.

— Eu tô falando do cachorro, é do cachorro que estou falando — tentou se defender, mas já era tarde demais. — mas não posso negar que me veio à mente um precioso comentário: tal cão, tal dono, ambos bonitos.

— Deveria cuidar dos seus clientes.

— Terminei a última consulta já faz uns dez minutos — completamente plena, respondeu, retirando seu jaleco e indo em direção a sua sala. A seguir, tirando o meu também. — E falando nisso, o que acha da gente sair pra tomar um cafezinho na cafeteria da frente? Eles têm um cappuccino delicioso. — virou e apontou para mim.

— Parece uma ideia boa.

— Aí você me fala um pouco do seu último cliente.

— Alice…— sussurrei e ela gargalhou.

— Tudo bem, não tá aqui quem falou. — guardei a farda que tínhamos e saímos. Aproveitei para oferecer um cappuccino a Soyoun que aceitou.

Atravessamos a rua e entramos na cafeteria, pedindo dois cappuccinos.

— Conseguiu falar com sua mãe? — perguntei e Alice deu um suspiro. Pela sua expressão, a resposta era muito clara.

— Falei e ela disse que não quer sair de lá e vim pra cá, mesmo que eu insista que aqui podemos ficar juntas e eu posso dar uma vida melhor a ela. — Quando nos mudamos para cá, se tinha algo que havíamos em comum era a negação dos nossos pais em confiar em nós. Havíamos planejado tudo antes de nos mudar do Brasil, aprendemos inglês e o básico do coreano, sendo o coreano o primeiro objetivo de aprendermos assim que colocássemos os pés em um país novo.

Eu queria que assim como meus pais, a mãe de Alice confiassem em nós para esse novo passo. Por mais difícil que seja, entendiamos seus pontos de vista e tomávamos o mínimo de cuidado: Éramos duas jovens negras brasileiras em um país onde o histórico de xenofobia e racismo eram enormes e ainda tinha muito o que melhorar e mesmo com essas circunstâncias, ainda assim existia pessoas incríveis que fizemos amizade por aqui e nos respeitaram e foram aconselhadoras. Não tirávamos as razões dos nossos pais, só queríamos que eles entendessem que iríamos lutar e enfrentar qualquer preconceito, seja no nosso país ou em um país com uma cultura totalmente diferente.

— Pior é que depois que meu pai faleceu, ela sente que deixando tudo pra lá, é como se estivesse abanando ele.

— Ela precisa seguir, mesmo que seja difícil.

— Já tentei explicar isso a ela, mas é realmente muito difícil.

TAL CÃO, TAL DONO!Onde histórias criam vida. Descubra agora