Dream Boy -Hannigram-

I

Esse é um livro do autor Jim Grimsley que eu gosto muito, há muito tempo resolvi traduzir, e pensei em adaptar para hannigram. Gosto muito da história, e espero que gostem também. Não estou comercializando nem sequer pegando o crédito pelo trabalho de terceiros, é apenas uma adaptação que tem como finalidade o entretenimento. Espero que gostem <3

Capítulo um

No domingo, na nova igreja, o pastor John Roberts falava sobre o discípulo que Jesus amava, cujo nome era João. Ele falava em como, na última ceia, João colocou a cabeça com ternura no peito de Jesus, dizia que não sabemos por que as Escrituras citam o discípulo, não sabemos por que é particularmente mencionado sobre o amor de Jesus por João nesta parte do Evangelho.

Ele segura o púlpito e olha atentamente para o ar sobre as cabeças da congregação, como se pudesse ver ali o Salvador. A sua voz reverbera-se como um trovão sagrado, e, ao ouvir, o pai de Will inclina-se para a frente no banco com uma visão de Deus a brilhar nos seus olhos. Ele pensa na salvação, no fogo do inferno e no sabor do whisky em seu paladar.

A mãe de Will está pensando sobre o corpo de Cristo e as asas dos anjos. Seu espírito ilumina a segurança, a santidade, da igreja. Os seus cabelos escuros cercam seu bonito rosto oval. A luz da janela de vitrais matizam sua pele.

Will pensa sobre o corpo do filho do fazendeiro que é dono da casa que seus pais alugaram há três semanas. Jesus tem um rosto como o daquele menino, um sorriso sereno com covinhas, um nariz um pouco grande demais e Jesus tem os mesmos braços fortes e suaves.

O pregador John Roberts diz: "Vamos orar", e Will inclina a cabeça, assim como todo o resto dos fiéis. Com os olhos fechados, ele imagina sua família, pai, mãe e filho, ordenadamente sentados no banco da igreja. A oração significa que o sermão terminou, e a tensão do garoto alivia um pouco. O primeiro dia na nova igreja acabou. Agora todos podem parar de olhar fixamente para eles. Papai, como se estivesse tendo o mesmo pensamento, mexia-se inquieto no banco. Mamãe suspira, sonhando com uma manhã de domingo que nunca vai acabar.

Will observa as mãos de Jesus espalmadas contra a madeira da cruz, ossos finos e pele lisa aguardando a pressão do prego, o primeiro momento de sangue.

No final, o pastor fica na porta e aperta a mão da congregação enquanto eles saem. Will e seus pais se juntam à eles. Várias pessoas da congregação os recebem, tão felizes por os terem ali, certificando de que eles iriam voltar, afirmando que eles irão gostar desta igreja, pois há pessoas boas nela. Papai já foi convidado para o círculo de oração dos homens nas noites de terça-feira e o café da manhã dos diáconos no sábado de manhã, assim como para a reunião de oração da quarta-feira, no domingo à tarde,  e à reunião de quinta-feira no Rotary Club.

Depois da igreja, durante o caminho silencioso da cidade de Potter's Lake, Will espera, sem fôlego. Eles têm uma casa no campo desta vez, numa fazenda que se localiza no final de uma estrada de terra perto do que as pessoas locais se referem como o antigo Woods Kennicutt. A fazenda e o quintal são arrumados e bem conservados, e a propriedade inclui uma lagoa, um prado e um pomar de maçã. A família da fazenda ao lado, Mason e Bedelia Lecter e seu filho Hannibal, moram na nova casa ao lado. Eles tinham acabado de voltar da igreja também, e Hannibal já trocou suas roupas dominicais pelas de trabalho e está no quintal, lavando a lama de suas botas de borracha ao lado do celeiro.

A lama vermelha manchou sua camiseta branca, uma mancha da cor de sangue seco. Will tenta não encarar, mas Hannibal é dois anos mais velho que ele e tem o prestígio adicional de ser um motorista de ônibus escolar e um membro da equipe de beisebol. Hannibal o pega olhando. Ele hesita um momento, como se ele também estivesse à espera de um sinal para falar. Ele acena com a cabeça, como uma saudação.

Toda tarde, depois do jantar do domingo, Papai se serve de whisky e lê do Antigo Testamento, os livros de Reis e Crônicas. Ele fica sempre quieto quando se muda para uma cidade nova, o que significa que Will pode ter um pouco de paz hoje. Mamãe mantém a companhia de papai na sala sombreada na frente da casa. Ela está fazendo ponto-cruz, costurando o Credo no pano de cor creme. As violetas bordadas escalam as bases de cada letra.

Enquanto ela atravessa a agulha através do pano na moldura circular, ela mantém seus olhos no marido. Quando Will passa, ela lhe oferece um sorriso forçado. Ele o retribui. Mas sempre chega um momento em que ela não consegue olhá-lo nos olhos por muito mais tempo. Ela procura algo em sua cesta de costura, para se desvencilhar do seu olhar. Will sobe silenciosamente pelas estreitas escadas até o andar de cima.

Seu quarto na nova casa é bastante arejado e espaçoso se comparado aos quartos menores que ele já ocupara antes. Grandes janelas se abrem em frente a casa dos Lecter. Uma figura na janela acima da cobertura invade o seu olhar.

Hannibal está lá. Talvez esse seja o quarto dele, onde as cortinas claras caem contra seu ombro. Ele tirou a camisa suja e se inclinou contra o quadro da janela. O mais velho tem um sorriso no rosto e um olhar auto-consciente em seus olhos, como se ele soubesse que alguém estava o assistindo. O braço musculoso está posado acima de sua cabeça. Ele se afasta da janela depois de um tempo. Mas Will continua esperando, caso ele volte.

Hannibal tem observado o outro garoto também, por um tempo. No início, Will pensou que estava imaginando coisas. Na primeira manhã que ele subiu no ônibus da escola, ele achou incomum encontrar Hannibal o estudando no espelho retrovisor. Eles mal tinham dito bom dia quando Will subiu ao ônibus pela primeira vez, e ainda estava Hannibal o fitando.

Às vezes, o olhar nos olhos de Hannibal lembra Will de seu próprio pai, do olhar nos olhos de seu próprio pai. Mas ele prefere não pensar sobre isso e interrompe o pensamento antes que ele comece.

Na manhã de segunda-feira, depois do primeiro serviço da igreja, o céu desdobra-se em uma coloração cinza sobre a região, a névoa corre sobre os campos além da casa dos Lecter. Will acorda cedo e avança logo para a janela. A faixa parcialmente aberta deixa entrar o ar fresco da manhã. A luz amarela queima no quarto de Hannibal. No quintal, o ônibus silencioso está estacionado sob uma árvore de nozes, folhas marrons caindo sobre o capô laranja. Will se veste com cuidado, deslizando uma camisa sobre seu corpo pálido, abotoando botões com dedos persistentes, parados perto da janela para que ele possa assistir a outra janela. De vez em quando, a sombra de Hannibal aparece.

Após o café da manhã, Will se dirige para o ônibus. O motorista o espera no banco. Ele fala, pela primeira vez, depois de uma saudação rouca. "Fico feliz que você seja pontual, eu gosto de sair daqui um pouco antes do horário" ele diz,  fechando a porta enquanto Will toma o assento atrás dele. É como se ele fosse atraído para o assento pela voz de Hannibal. Durante o caminho, ficam em silêncio, e Will observa a parte de trás da cabeça de Hannibal. Uma cicatriz vermelha se mostra visível acima do pescoço do mais velho. Aconteceu alguma coisa; Will pensa no que pode ser.

Ele acelera o motor do ônibus. Então, com uma rendição quase visível, ele se vira e olha para Will, simplesmente olha para ele.

"O que foi?", pergunta Will.

"Nada." Virando de uma só vez, Hannibal manobra o ônibus pesado pelo quintal.

O caminho é silencioso. Não há outras famílias ao longo da estrada de terra, chamada Poke's Road, que os leva para longe da fazenda. Mesmo quando outros adolescentes sobem no ônibus, Will observa Hannibal, a curva de seus ombros, seu pescoço. Hannibal dirige o ônibus ordenadamente em sua rota emaranhada. Após chegar até a escola, Will é o último a sair do ônibus, enquanto o motorista já estava correndo ao longo do corredor.