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Kiara’s POV.

Há poucas coisas no mundo melhor do que finalmente poder andar com suas próprias pernas. Desde que me entendo por gente, meu comportamento é milimetricamente analisado. “arrume a postura, Kiara”, “coma mais devagar, filha”, “troque de roupa, essa não combina com uma garota como você”, “não use gírias perto da sua mãe”.

Finalmente consegui sair da casa onde morei por toda a minha vida, não quero soar ingrata, mas quando tudo o que fazemos é criticado nós aprendemos a sobreviver na defensiva.

Depois que meus pais se separaram minha mãe tem a necessidade de se mostrar uma rocha. Impenetrável e imperturbável, nem eu consigo entrar nas defesas dela. Depois que nossa família se tornou só nós duas ela virou isso, uma mulher fria e crítica. Mas hoje eu finalmente me libertei.

Desci do ônibus há 40 minutos e estou de pé no meio da rodoviária enquanto espero meu querido pai me atender. Respiro fundo e tento me acalmar, já são 22h e eu não acredito que ele se esqueceu da minha chegada. Vim durante o caminho inteiro sonhando em como seria para ele me ver depois de dois anos longe, mas, pelo visto, ele não se importa tanto quanto eu pensei.

Canso de esperar e sigo em direção à rua. Entro no primeiro taxi que eu vejo e falo o endereço. Seguimos em direção ao sul da cidade. Apoio a cabeça na janela e fecho os olhos, estou exausta. Fisicamente e psicologicamente.

Não sei quanto tempo durou o trajeto, mas ouvi pelo menos 10 músicas. Assim que o carro estaciona na frente da minha nova casa vejo que a academia ainda está aberta. Ótimo. Ele não foi me buscar porque estava dando aula.

— Obrigada — me dirijo ao taxista —, você pode aguardar aqui fora? Vou só buscar o dinheiro e já volto! — ele assente.

Saio do carro apenas com minha bolsa, deixando a mala pesada lá dentro e entro na academia. Tenho vontade de chorar assim que vejo meu pai no ringue todo equipado, no meio do treino. Só estava ele e o homem em sua frente na academia, eu realmente sou tão descartável assim que ele não podia adiar uma aula?

Passo as mãos no rosto para secar qualquer resquício de emoção e falo alto, transbordando ironia a cada palavra:

— Se você já terminou de se divertir, tem a porra de um táxi lá fora esperando você pagar a corrida, papai. Mas se quiser, ele pode esperar uma hora lá fora, como eu te esperei na estação.

Observo seu corpo se virar para mim assim que eu falo, mas não dou tempo de resposta e me dirijo rapidamente para a entrada da casa dele – minha nova casa – por dentro da academia.

Abro a porta e sigo pelo corredor, que se abre em uma sala de estar. Assim que me sento no sofá ouço ao fundo: — Maybank, termine no saco de pancadas e depois venha falar comigo.

— Sim, senhor.

À medida que meu pai se aproxima de mim a vontade de chorar cresce. Odeio me sentir preterida.

— Minha pequena, me desculpa. — ele se aproxima ao sentar e me abraça, mas não retribuo. Aperto meu maxilar quando sinto minha garganta arder, eu não vou chorar na frente dele. — Eu realmente pensei que você chegaria amanhã, a sua mãe disse... — me levanto interrompendo sua fala.

— Que merda, pai. — levanto do sofá e fico em sua frente. — Fala sério, você só pode tá de brincadeira com a minha cara.

— Kiara...

— Não! — viro de costas e descanso a mão no quadril, olho para o teto e suspiro, falo mais calma: — Eu sabia que ia ser assim, minha mãe me avisou, que eu ia chegar aqui e você não ia nem se importar. Foi assim com ela e vai ser comigo.

Beco Sem SaídaOnde histórias criam vida. Descubra agora