Psicodelia

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A fumaça de cigarro impregnava as minhas roupas. Mesmo assim, a área de fumantes era um ambiente mais calmo do que a explosão de luzes e a cacofonia de dentro do clube. Entre uma tragada e outra, um amigo me avistou e veio conversar comigo, mostrando discretamente uma pílula.

— Cara, você precisa experimentar isso aqui. Essa merda vai abrir uma porta pra outra dimensão.

— É tipo um LSD então?

— Melhor, o efeito disso aqui é insano.

— Quanto que é? Tô meio curto de grana.

— Nada, consegui de graça, o cara disse que tava perto de estragar então me deu um monte de graça. Disse que no próximo carregamento ele cobra se eu gostar.

— Meio suspeito isso aí. Será que não vicia tipo heroína ou alguma merda do tipo?

— Não seja burro, alucinógeno não vicia. O cara devia tá querendo ganhar uns clientes já que essa droga é nova. Vai por mim, você não vai se arrepender.

— Lança um aí pra mim então, só não vou tomar hoje porque tô dirigindo.

— Pega aí, depois você me conta como foi a viagem.

— Valeu, cara, fico devendo apresentar um pra você quando eu tiver.

— De boa, sem estresse.

Guardei a pílula no meu bolso. Depois de umas duas horas, fui para casa.

-

No final de semana seguinte, eu estava sozinho em casa. Era final de ano, todos os meus amigos próximos tinham recém viajado (fiquei em casa por motivos monetários), e eu moro longe da minha família.

Olhei para aquela pílula, poderia ser a solução para o meu tédio. Tomei-a, o gosto era de um amargor intenso. Deitei na cama após colocar alguns vídeos de humor, na espera do efeito. Quando notei, eu ria descontroladamente de cenas que nem eram engraçadas, certamente o alucinógeno estava começando a me afetar. Levantei-me da cama, pisei em falso e caí no chão; tinha perdido completamente a noção de espaço. Levantei-me e caminhei mais cuidadosamente. As paredes derretiam, objetos ao meu redor dançavam, as luzes cegavam-me com a intensidade ampliada, então apaguei-as, permanecendo estático no escuro tentando acostumar-me com minha nova realidade.

Ouvi uma batida leve na porta, estranhei, todas as possíveis visitas não estavam na cidade. Fui checar quem era. Tateava as paredes para não perder o equilíbrio e nem derrubar nada. Abri a porta e um senhor de mais de dois metros de altura, terno e cartola segurava uma pasta que dizia "pedaços humanos frescos".

-Olá senhor, se interessaria em adquirir alguns pedaços humanos? Acabaram de serem colhidos da árvore. – A figura apontou para uma das árvores do meu terreno. Cabeças, torsos, pernas e braços estavam pendurados nos galhos, balançando levemente com o vento.

— Não, obrigado, não preciso disso não. – Respondi.

— Certeza? Um corpo novo pode ser útil em várias ocasiões, todos precisam disso em algum momento de suas vidas. – A figura argumentou com uma voz suave.

— Várias ocasiões? Tipo o quê?

— A perda de um ente querido, a substituição do seu próprio corpo. Existe algo chamado câncer, por exemplo. Se em algum momento da sua vida você for afligido por uma maldição dessas, já teria um corpo reserva prontinho no armário para o senhor fazer a troca. Nossa empresa colhe os pedaços de corpos das árvores, frescos e orgânicos, não irá se arrepender da compra.

— Hoje não vou comprar nada, tô meio drogado. Volta amanhã. – Bati a porta e observei a figura indo embora calmamente.

Fui para o banheiro e acendi a luz, meus olhos doíam com a luminosidade. Olhei no espelho, pupilas dilatadas parecendo duas bolas de boliche. A pele do meu rosto movia-se como se tivessem vermes rastejando embaixo dela. Meu rosto transformou-se em uma espiral de sangue e carne, rodando como se fosse um liquidificador. Quando parou de rodar, meu rosto transformou-se no do meu pai. Após abrir a torneira e lavar o rosto, ele voltou ao normal.

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