Cê não tem dó de mim

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Luiza acordou com batidas altas em sua porta na manhã quente daquela quarta-feira. "Luiza, você vai se atrasar, minha filha!" – a voz da mãe soava alta do outro lado da madeira. "Seu pai já tá saindo!" – gritou novamente.

Ela levantou o tronco da cama levemente atordoada e encarou com um olho aberto e outro fechado o relógio posto na mesa de cabeceira. Suspirou e jogou o corpo na cama novamente. "Eu não tenho estágio hoje! Fala que o pai pode ir!" – gritou deitada de novo.

As batidas e as conversas cessaram e a estudante aproveitou para perder mais alguns minutos de sono naquela cama. Tinham algumas noites que ela não dormia bem daquela maneira. Os minutos passaram como segundos e logo o telefone despertou as nove da manhã em ponto. Luiza desligou o alarme e respirou fundo sem se mover do lugar. A brisa que entrava pela janela semiaberta não parecia amenizar o calor do sol que brilhava no céu. Ela tomou um banho e encontrou a mãe no sofá da sala tentando usar o aparelho de DVD sem muito sucesso. Luiza riu e pôs-se a ajudar a mãe que destilava xingamentos ao objeto. As duas seguiram para a cozinha e a mãe da menina a acompanhou no café da manhã com uma xícara de café preto. As conversas fluíam tranquilamente até que a estudante se atentou ao horário e começou a apressar o passo para seguir rumo ao Bairro das Laranjeiras. "Leva guarda-chuva, Luiza!" – a mãe gritou da cozinha onde estava lavando a louça.

"Mãe, tá um sol pra cada um! Não vai chover." – Luiza devolveu a resposta.

"Depois não diga que eu não te avisei. Se cuida, meu amor! Te amo!" – a mulher respondeu.

"Também te amo!" – o som da voz de Luiza já estava distante seguido pelo fechar da porta.

A estudante digitava uma mensagem para Valentina enquanto caminhava até a parada de ônibus. "Oi! Tô esperando o ônibus pra sua casa. Acho que em uma hora tô aí." – enviou, sentindo que faltava algo. Depois de alguns segundos decidiu adicionar uma carinha sorrindo para quebrar o gelo. A cada minuto que passava sem resposta, a ansiedade parecia crescer no peito. O ônibus não tardou em passar e ela sentiu o celular vibrando enquanto passava a roleta. "Tô te esperando." – a resposta veio, também acompanhada de uma carinha feliz. Luiza mordeu o lábio inferior discretamente e colocou o aparelho dentro da bolsa novamente.

O caminho foi feito em pouco menos de uma hora e Luiza já caminhava pelo Bairro das Laranjeiras olhando os muros para encontrar o número enviado por Valentina. O sol amenizava o ardor quando ela passava por baixo das enormes copas das árvores, admirando as casas. Pouco depois de caminhar por cinco minutos, Luiza se deparou com a entrada de uma casa gigante com três carros na garagem e a tão temida moto. Ela encarava o lugar boquiaberta, tentando calcular o tamanho daquele lote. Era possível ver um grande gramado com algumas árvores distantes, inclusive uma maior do que todas, que aparentava ter até uma pequena casinha. A casa em si era enorme, dois andares, rústica com madeiras escuras aparentes e uma tinta branca impecável. O portão impedia Luiza de enxergar a piscina e ofurô que ficavam do outro lado da garagem.  Depois de perder um certo tempo ali, a estudante finalmente criou coragem de tocar a campainha, recebendo uma voz feminina como resposta. "É, eu tô esperando a Valentina." – disse tímida.

O portão sendo destravado foi a única resposta que teve. Ela passou pelo portão e caminhou pelos caminhos de pedras passando a mão pela alça da bolsa que cortava o peito transversalmente. Os olhos se perdiam em cada detalhe do lugar. Os muros eram todos cobertos por heras verdes escuras, a grama estava aparada e vários tipos diferentes de flores coloriam o ambiente. A porta de madeira da entrada da casa aparentava ter quase quatro metros de altura. A estudante respirou fundo e bateu levemente na porta, afastando-se um pouco. Ela olhava fixamente para o chão e o coração parecia bater mais forte no peito.

"Mãe, eu não vou discutir isso com você agora!" – a voz abafada de Valentina soou de dentro da casa enquanto a porta permanecia fechada.

"Valentina, enquanto você morar debaixo do meu teto, você vai ter que me respeitar!" – uma voz mais adulta gritou de volta. "Eu não vou deixar você desperdiçar a educação que eu te dei com esse negócio de sonho! A vida é mais do que isso!" – disse novamente.

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